
Ex-presidente sancionou norma que passou a exigir revalidação periódica de autorizações, mas o dispositivo não impedia o órgão fazer fiscalização regular. Bolsonaro não sancionou lei que proibia a conferência de contratos que permitiam ao INSS fazer descontos em pagamentos a beneficiários
g1
Circula nas redes sociais o vídeo de um homem dizendo que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou uma lei para proibir o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) de fiscalizar periodicamente descontos feitos por associações na folha de pagamento de beneficiários. #É FAKE.
selo fake
g1
🛑 O que diz a publicação?
Em um vídeo publicado no TikTok em 29 de abril de 2025, com mais de 50 mil visualizações, um homem diz: “Em 2019, ele [Bolsonaro] sancionou uma lei, com validade de três anos, que simplesmente proibia a análise e a conferência dos contratos que autorizava o INSS a fazer o desconto na folha dos aposentados. […] Essa lei foi a lei 871 de 2019. E válida por 3 anos. Em 2022, essa lei expirou. Aí, o que é que ele [Bolsonaro] fez? Criou uma nova lei, a 1107, que prorrogava a não análise dos contratos até o final do governo dele”.
Esse conteúdo passou a circular seis dias depois de uma operação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) ter revelado um esquema bilionário de fraudes no INSS. O crime consistia em descontar valores irregulares de aposentados e pensionistas, sem autorização, como se eles tivessem se tornado membros de associações e sindicatos. As investigações apontam que as entidades ofereciam desconto em academias e planos de saúde. Os desvios ocorreram entre 2019 e 2024.
⚠️ Por que o conteúdo é falso?
A Medida Provisória 871, de 2019, proposta durante o governo Bolsonaro, não proibiu o INSS de conferir esse tipo de desconto. O texto previa, na verdade, que as entidades e associações deveriam demonstrar, todos os anos, que os aposentados e pensionistas filiados autorizavam o desconto direto na folha de pagamento.
Durante a tramitação dessa MP, o Congresso aumentou de um para três anos o prazo de revalidação dos descontos dos beneficiários, estabelecendo Lei nº 13.846, de 2019. Além disso, em 2020, o governo Bolsonaro criou um decreto reforçando a previsão de revalidação dos descontos a cada três anos. Em 2022, o próprio Congresso derrubou a essa obrigatoriedade (veja a linha do tempo ao final desta reportagem).
Ao Fato ou Fake, o advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (Ibdprev), Diego Cheruli, afirmou: “Não se pode usar o termo ‘proibição’ [da conferência de descontos]. Em momento algum se visou proibir a fiscalização dos descontos, mas, sim, ajustar a revalidação deles”.
Ele acrescenta: “Para que os descontos continuassem por mais de 1 ou 3 anos, seria necessário refiliar os beneficiários nas entidades. Na prática, isso significaria filiar a pessoa novamente. Então, essa norma nunca teria a condição de impedir o que aconteceu [a fraude]: se fizeram uma filiação por fraude, fariam de novo na refiliação”.
Professor de direito previdenciário da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), Luis Martins disse: “Ao estabelecer prazo anual para revalidação, a MP 871 estava colocando um limite máximo de 1 ano para que houvesse um crivo dos descontos internamente. Mesmo que pudesse exigir uma manifestação do segurado, ela não impedia o cancelamento por parte do beneficiário. Vale lembrar que, pela lei, esses descontos não eram obrigatórios: a pessoa aderia por iniciativa própria para usar os serviços das entidades”.
Os especialistas citam que, durante a tramitação da MP 871, em 2019, parlamentares justificaram a ampliação do prazo (de um ano para três anos) com base em dificuldades operacionais que o INSS enfrentaria.
“O INSS tem um déficit operacional grande. A argumento utilizado na época foi que não seria possível revalidar a regularidade [dos descontos], porque faltava braço para fazer esse trabalho, sem que se prejudicasse a atividade fim do INSS, que é gerir benefícios previdenciários e assistenciais”, diz Luis Martins, da FGV.
Já segundo Diego Cheruli, ajustes no tempo de revalidação dos beneficíos não seriam suficientes para impedir a fraude: “Houve uma facilitação de servidores do INSS e do DataPrev para filiar essas pessoas. Então, se fosse de um ano, dois anos, três anos… Não importa. Se a pessoa caísse, o sistema a incluiria de novo, porque foi o sistema errado que fazia a inscrição — seja falsificando a assinatura na ficha de filiação, seja falsificando uma [ficha] de refiliação”.
📅 Qual a linha do tempo do caso?
Janeiro de 2019 — Edição da MP 871. Jair Bolsonaro editou uma MP que previa mecanismos para coibir fraudes e irregularidades na concessão de benefícios da seguridade social. Entre os pontos abarcados no texto inicial, estava a proposição para revalidar anualmente os descontos devidos a associações e sindicatos (os descontos associados já estavam dados no artigo 115 da Lei de Benefícios da Previdência Social, promulgada em 1991).
Fevereiro a maio de 2019 — Discussão da MP 871. O texto foi discutido em uma Comissão Mista do Congresso Nacional (Câmera e Senado) entre fevereiro e maio de 2019. Após audiências públicas com representantes do INSS, sindicatos e especialistas em direito previdenciário, parlamentares aprovaram o relatório do ex-deputado Paulo Eduardo Martins (PL-PR), mas fizeram alterações – entre elas, o aumento do prazo da revalidação dos descontos, que subiu de um ano para três anos.
Junho de 2019 — Aprovação da Lei nº 13.846. O texto da comissão foi aprovado com prazo apertado na Câmara dos Deputados, em 29 de maio de 2019, e no Senado, em 3 de junho de 2019. Bolsonaro sancionou a lei em 18 de junho de 2019, mantendo a ampliação no tempo de revalidação da análise para três anos.
Março de 2022 — Edição da MP 1.107. O texto original dessa MP referia-se ao Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para Empreendedores (SIM Digital) – ou seja, não tocava em questões previdenciárias e tratava somente da concessão de crédito.
Março a junho de 2022 — Discussão da MP 1.107. A revogação, por tempo indeterminado, da revalidação de descontos foi acrescentada como um “jabuti” nos últimos artigos do relatório final da MP 1.107, do ex-deputado Luis Miranda (Republicanos-DF).
Agosto de 2022 — Aprovação da Lei nº 14.438. Após passagem pela Comissão Mista, o texto da MP foi validado no plenário da Câmara dos Deputados de maneira simbólica e com apoio de partidos de direita, centro e esquerda, em 21 de junho de 2022. A segunda votação ocorreu no Senado, em 3 de agosto de 2022, sem alterações adicionais. Por fim, chegou à sanção do presidente, em 24 de agosto de 2022.
Janeiro de 2023 — Posse do presidente Lula. Com o início do mandato de Lula, não houve mais mudanças nas leis 13.846 e 14.438, que permanecem em vigor desde então.
Bolsonaro não sancionou lei que proibia a conferência de contratos que permitiam ao INSS fazer descontos em pagamentos a beneficiários
g1
Veja também
É #FAKE anúncio sobre inscrições para concurso do INSS
É #FAKE anúncio sobre inscrições para concurso do INSS
VÍDEOS: Fato ou Fake explica
VEJA outras checagens feitas pela equipe do FATO ou FAKE
Adicione nosso número de WhatsApp +55 (21) 97305-9827 (após adicionar o número, mande uma saudação para ser inscrito)