
Grupo na Ilha do Governador chega a reunir 500 pessoas. Na Penha, corredores driblam a falta de lugares próprios para o esporte e grupo da Baixada atravessa a Região Metropolitana de madrugada para correr na Lagoa de manhã. Moradores da Ilha se reúnem semanalmente para desenvolver o gosto pela corrida
Nem tempo, nem “pace”, nem competição. Nas corridas que tomam as ruas de bairros como Ilha do Governador, Lagoa e Vila da Penha, o que importa mesmo é o bem-estar. Esses grupos – alguns usando o termo em inglês “crews” – têm atraído centenas de pessoas, de diferentes idades, histórias e condições físicas, em busca de saúde, autoestima e, principalmente, conexão.
Na Praia da Bica, na Ilha do Governador, o grupo “Corre Ilha” reúne cerca de 500 pessoas todas as terças-feiras à noite. A ideia partiu do Alessandro “Mutante”, que decidiu fazer um chamado informal aos moradores.
“A gente tá tentando envolver o máximo de pessoas, independente da idade, e a performance é o que menos importa. Por isso que a gente coloca lá que o Corre é 100% iniciante”, explica Alessandro.
“Essas pessoas estão carentes de relacionamento. Essas pessoas estão adoecendo em casa e o Corre Ilha veio pra trazer a cura. A gente tem vários relatos de pessoas que estão se reencontrando aqui”, acrescenta.
Frequentadora das corridas do grupo, Cleici começou a correr e logo levou os filhos. Um deles, Caio, é autista. “Não imaginava trazer ele e ele se adaptar tão bem. Ele gostou muito. Ele volta rindo, fica feliz, animado”, conta. “Chegou em casa e já foi logo dormindo. Não tomou remédio”, acrescenta.
Gabi, outra corredora assídua, enfrenta a esquizofrenia e tem recebido da corrida um apoio. “Eu tomo cerca de 14 a 17 comprimidos por dia, mas até disse para o meu marido, que meu principal ansiolítico, meu principal antidepressivo é aqui. É o Corre Ilha.”
O grupo é diverso: tem famílias com crianças, jovens, idosos, cachorros, gente de todas as idades. Entre os corredores está o restaurador de piso Sebastião Coutinho, de 66 anos, que passou por uma cirurgia de câncer de próstata.
“Fiz a cirurgia em dezembro e já tô aqui correndo. Em 20 dias já comecei a fazer minhas caminhadas. Venci a doença, corri na frente dela e venci.”
A cabeleireira Estelina Laurentina Apolinário, de 70 anos, é pura inspiração. “Tudo, saúde, alegria, fazer amigos mais fácil, tudo, tudo. Não preciso de psicólogo. Se parar dá depressão, engorda, envelhece.”
A filha dela, Vera Lúcia, também se reencontrou na corrida. “Eu descobri vida, amizade, recomeço. Me encontrei no esporte. Fiz uma meia maratona achando que nunca ia conseguir. O que me fez vir foi uma depressão. E essa depressão? Sumiu.”
Moradores da Baixada se reúnem para correr em grupo
De Caxias à Lagoa: madrugar por saúde
Na Lagoa Rodrigo de Freitas, outro grupo de corrida se encontra às terças. A professora de Geografia Pamela Oliveira Lima sai de Gramacho com amigos às 3h40 da manhã para conseguir chegar ao ponto de encontro. Muitas vezes, é preciso vencer obstáculos como tiroteios, baldeações e ônibus lotados.
“Foi difícil, passamos por tiroteio, alguns contratempos, mas a gente conseguiu chegar, graças a Deus”, diz Pamela Oliveira Lima, durante um dos encontros. Ela que fez a convocação para as corridas em redes sociais.
Alex, gari, perdeu mais de 30 quilos com o grupo: “Eu me libertei da ansiedade. Eu pesava quase 130 quilos. Sou maratonista.”
O grupo se divide em pelotões para fazer um trajeto de 5 km. O último são pessoas que por enquanto só caminham. No final, todos param para ver a paisagem.
“Na Geografia, a gente fala muito sobre acesso a cidade, sobre como nós, da Baixda Fluminense, acessamos a cidade. Boa parte da galera daqui só conhecia a Lagoa porque passou, por exemplo, a caminho de alguma consulta. Não entendia que é um lugar de esporte. Quero que as pessoas estejam aqui para cuidar da cabeça, da mente, e entendam que esse lugar é nosso também”, diz Pamela.
Entre várias histórias de quem participa do grupo, há quem está usando a corrida até para curar a saudade da ex. “A corrida ajuda a superar a saudade da minha ex. É uma pessoa importante, faz muita falta. Vim correr para aliviar a mente, lidar com a saudade, com a ansiedade”, diz Juca, um dos corredores.
Moradores da Vila da Penha se reúnem toda quarta-feira para correr em grupo
Rexpeita Crew
Na Vila da Penha, o grupo “Rexpeita Crew” reúne corredores toda quarta-feira à noite. A ideia é transformar o bairro em um espaço de saúde e pertencimento.
“É uma forma que a gente tem de inclusão na Zona Norte, uma zona tão desrespeitada e esquecida”, diz o idealizador Leandro Gonçalves.
“O nosso corre é sobre inclusão, é sobre respeito. Não é à toa que a gente leva o nome de Rexpeita.”
Os obstáculos urbanos, como buracos, falta de sinalização e passarelas improvisadas, são superados pela organização da equipe, que ajuda no trajeto.
“Nós começamos com 20, 30 pessoas. Isso foi tomando corpo a partir do momento que a gente foi fomentando esses valores, de que todo mundo consegue, que é possível, que é um ambiente saudável”, afirma um dos organizadores.
Pessoas vêm de outros bairros da região e até de Queimados, na Baixada Fluminense, para participar. No dia que o RJ2 acompanhou o projeto
Para muitos, correr é mais que exercício — é um tratamento emocional. “Eu tava em casa, com ansiedade, precisando fazer alguma coisa que fosse grátis e uma família que me acolhesse e o Rexpeita é isso”, diz outra participante.
Os corredores da Rexpeita Crew voltam pra casa pela mesma maratona de transportes — trem, metrô, ônibus — mas com a energia renovada.
No fim, fica claro: mais do que correr, esses grupos ajudam a transformar vidas. Pessoas se curam, se conectam, se desafiam e se descobrem a cada passo.
“Praticar esporte, ter saúde. Hoje me superei”, diz uma participante. “No começo fico assim: o que estou fazendo aqui ? Mas quando termina me sinto bem, me superei”, diz uma integrante de um grupo de amigas que participou de uma sessão de 7km do Rexpeita.
Grupo correndo de madrugada na Vila da Penha
Reprodução/RJ2
Animação do grupo Corre Ilha antes do Treino
Reprodução/TV Globo
Repórter Mônica Teixeira acompanha corrida noturna na Zona Norte do Rio
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Corrida noturna na Vila da Penha
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Corrida noturna na Vila da Penha
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Grupo de corrida de rua noturna na Ilha
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Grupo de corrida de rua noturna na Ilha
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Corredores da Baixada na Lagoa ao amanhecer
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Corredores da Baixada encaram vários transportes para chegar à Lagoa
Reprodução/RJ2