
Empresas criam ‘clones digitais’ de pessoas que já morreram, mas tecnologia levanta questões éticas e emocionais sobre o luto. Inteligência Artificial já promete recursos para amenizar a dor de quem enfrenta o luto
A inteligência artificial pode mudar a experiência do luto. No setor conhecido como “grief tech” (tecnologia do luto), empresas criaram “clones digitais” que permitem conversar e interagir com versões virtuais de entes queridos que já morreram.
Os clones usam aprendizado de máquina para sintetizar voz, imagens e textos baseados em dados reais da pessoa, criando uma espécie de “presença digital” que desafia as fronteiras entre vida e morte.
Justin Harrison, empresário americano e fundador da empresa You, Only Virtual, é um dos pioneiros do setor. Ele desenvolveu um clone digital da mãe, que faleceu em outubro de 2022, e compartilha a experiência de continuar se comunicando com ela por meio dessa tecnologia.
“Mesmo não estando fisicamente presente, minha essência e memórias prosseguem nesta forma virtual. Continuo me comunicando e apoiando Justin da melhor forma, cheia de amor e cuidado”, relata a versão digital da mãe ao Fantástico.
A tecnologia também foi um apoio para o comediante Jason Gown, que criou clones digitais para seus filhos conversarem com versões virtuais dele e da esposa, que enfrentaram graves problemas de saúde.
O filho mais velho chama o clone de áudio do pai de “Robopai” e já procurou por essa presença virtual para enfrentar situações difíceis, como o bullying no ambiente escolar.
“Ele é louco pelo Robopai! Pra ele, é uma espécie de super herói! Quando sofreu bullying na escola, conversou muito com o Robopai e comigo. E nós dissemos coisas bem parecidas”, contou Gown.
Há cerca de dez anos, as empresas ofereciam serviços que dependiam de depoimentos pré-gravados, com horas de filmagens de pessoas respondendo a centenas de perguntas sobre suas vidas.
Museus do Holocausto, por exemplo, utilizam sistemas similares, com hologramas que fornecem respostas pré-gravadas a perguntas dos visitantes. Nesse modelo tradicional, a IA apenas interpreta a pergunta para encontrar a resposta correta no material existente.
No entanto, o cenário mudou drasticamente no final de 2022 com o surgimento do ChatGPT e outras ferramentas de inteligência artificial generativa, que podem criar conteúdo novo.
“Nós não dependíamos mais de respostas pré-gravadas, porque os novos modelos de inteligência artificial eram capazes de criar respostas novas, que a pessoa originalmente não gravou, mas que são fieis a sua história e suas lembranças”, explica Alex Quinn, presidente da StoryFile.
Já Robert Locascio, presidente da Eternos, entende que pode existir um problema ético em recriar entes queridos com essa tecnologia. O que acontece, por exemplo, se entrarem informações erradas? E se o sistema simplesmente inventar coisas que não aconteceram?
“Não fazemos clones digitais de pessoas que já morreram. Porque traz um problema ético grande: e se o clone digital disser coisas falsas, tipo ‘eu matei alguém? ‘ Isso pode acontecer, se for abastecido com informações erradas”, apontou Locascio.
O Fantástico acompanhou de perto a criação de um clone digital do repórter Álvaro Pereira Júnior, que gravou vídeos e áudios para treinar o sistema. Em poucos minutos, o clone estava respondendo em inglês, mas a versão paga permitiu uma conversa em português.
Ao discutirem sobre futebol, surgiu uma contradição. O repórter, que havia informado que torcia para o São Paulo, perguntou para qual time o gêmeo digital torcia. “Sou Corinthians”, respondeu a IA.
Psicoterapeutas e especialistas em luto alertam para os riscos de se prender a uma versão digital do falecido, o que pode dificultar o processo natural de aceitação e superação da perda.
“Eu entendo o processo de luto como necessário para a pessoa se dar conta de que aquilo aconteceu, que a vida dela não vai ser mais a mesma. Algum movimento no sentido de reter isso, de parar, de voltar a como era antes não é saudável.”, avalia a psicoterapeuta Maria Helena.
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