
Em discurso na cúpula do Brics no Rio, presidente russo defende ordem multipolar e desdolarização, com críticas ao domínio ocidental da economia global. Declaração do Brics cita ‘preocupação’ com ‘medidas tarifárias’
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, aproveitou seu discurso por videoconferência na cúpula do Brics neste domingo (6), no Rio de Janeiro, para defender abertamente o fim do que chamou de “ordem mundial unipolar” dominada por países ricos do Ocidente.
O russo criticou o que chamou de “bilhão dourado do Ocidente” — expressão usada com frequência pelo Kremlin para se referir ao grupo de países desenvolvidos que concentram riqueza e influência global, como Estados Unidos, União Europeia e Japão.
Segundo o presidente, essa ordem está ficando para trás e dá lugar a um mundo mais justo e multipolar, impulsionado por países em desenvolvimento — como os do Brics.
“A ordem mundial unipolar, que servia aos interesses do chamado ‘bilhão dourado’, está ficando no passado. Está surgindo uma ordem mais justa, multipolar”, afirmou.
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Como o Brics pode afetar a sua rotina
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursou em transmissão on-line durante a abertura da Sessão plenária “Paz e Segurança e Reforma da Governança Global” da Cúpula de Lideres do BRICS no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio
Aline Massuca/BRICS Brasil
Carta foi mais leve
Apesar do tom crítico adotado por Vladimir Putin ao condenar a antiga ordem mundial dominada pelo que chamou de “bilhão dourado do Ocidente”, a declaração final do Brics, publicada neste domingo, evitou qualquer referência direta ou indireta ao tema.
O documento manteve uma linguagem diplomática, centrada na defesa de uma governança global mais representativa e multipolar, sem recorrer a ataques ou menções explícitas a países ou blocos ocidentais.
Mas o texto das 11 nações refletiu diversas das propostas apresentadas por Vladimir Putin em seu discurso, como o fortalecimento da ordem multipolar, a ampliação do uso de moedas locais no comércio entre os membros e o papel do Novo Banco de Desenvolvimento no financiamento de países do Sul Global.
Também houve menções indiretas a projetos defendidos pela Rússia, como a criação de plataformas de cooperação nas áreas de segurança alimentar, clima, logística e intercâmbio esportivo.
Brics melhor que o G7
Ao longo de sua fala, Putin defendeu que o Brics — agora expandido para incluir países da América Latina, África, Oriente Médio e Ásia — já supera em relevância econômica o chamado G7.
Segundo ele, o PIB do bloco, calculado em paridade de poder de compra, chegou a US$ 77 trilhões em 2025, contra US$ 57 trilhões do grupo das 7 maiores economias industrializadas, de acordo com dados do FMI.
O presidente russo sugeriu ampliar o uso de moedas locais no comércio entre os países do bloco e propôs a criação de um sistema próprio para transações financeiras. Ele disse que 90% do comércio entre a Rússia e os demais países do Brics em 2024 foi feito com moedas nacionais.
“A criação, no âmbito do Brics, de um sistema independente de compensação e custódia permitiria tornar as transações cambiais mais rápidas, eficientes e seguras”, declarou.
A proposta de Putin busca reduzir a dependência do dólar e dos sistemas financeiros ocidentais — como o Swift, que excluiu bancos russos após a invasão da Ucrânia.
Putin também fez menção à criação de uma nova plataforma de investimentos, à instalação de uma bolsa de grãos e à articulação de políticas conjuntas sobre mudanças climáticas, logística e esportes. Ele elogiou o Brasil por dar continuidade às iniciativas lançadas durante a presidência russa do Brics, em 2024, e destacou que o bloco tem ganhado cada vez mais peso na governança global.
“O Brics consolidou-se, com razão, como um dos centros-chave da governança global”, disse.
O discurso ainda teve espaço para a diplomacia cultural. Putin anunciou que Moscou sediará, em setembro, o concurso internacional de música popular “Intervisão”, voltado à promoção de valores culturais e familiares dos países do bloco.
Leia a íntegra da declaração de Putin
“Antes de tudo, gostaria de me unir às palavras de agradecimento ao Presidente Lula da Silva e à presidência brasileira pelo trabalho ativo na promoção da parceria estratégica no âmbito do Brics.
O mais importante é que os países do Brics continuam aprofundando a cooperação em áreas-chave da política e segurança, economia e finanças, bem como nos contatos culturais e humanitários.
Nossa aliança se expandiu significativamente e agora inclui importantes países da Eurásia, da África, do Oriente Médio e da América Latina. Juntos, possuímos um imenso potencial político, econômico, científico-tecnológico e humano.
Os países do Brics representam não apenas um terço da superfície terrestre e quase metade da população mundial, mas também 40% da economia global, com um PIB combinado em paridade de poder de compra que já atinge US$ 77 trilhões, segundo o FMI para o ano de 2025. Aliás, neste indicador, o Brics supera significativamente outros agrupamentos, inclusive o chamado “Grupo dos Sete”, que soma US$ 57 trilhões.
Ano após ano, a autoridade e a influência do nosso grupo no mundo continuam crescendo. O Brics consolidou-se, com razão, como um dos centros-chave da governança global, e a voz sólida de nossos países em defesa dos interesses fundamentais da maioria mundial se faz ouvir cada vez mais claramente na arena internacional.
O Brics tem muitos aliados entre os países do Sul Global e do Oriente. Eles se identificam com a cultura de parceria aberta e de cooperação que se consolidou dentro do grupo, baseada no respeito mútuo e na consideração das opiniões de todos.
Com base nisso, na Cúpula de Kazan, realizada na Rússia em outubro do ano passado, foi tomada a decisão de criar a categoria de países parceiros do Brics, com o objetivo de estabelecer uma cooperação prática e concreta com todos os países interessados. Atualmente, já são dez os países reconhecidos nessa categoria.
Gostaria de destacar que os países do Brics representam diferentes modelos de desenvolvimento, religiões, civilizações e culturas únicas. E, ainda assim, todos defendem a igualdade e a boa vizinhança, os valores tradicionais, os ideais elevados de amizade e harmonia, e buscam contribuir de forma significativa para a estabilidade e segurança globais, para a prosperidade e o bem-estar de todos. Sem dúvida, são justamente essas abordagens construtivas e essa agenda de união que são mais necessárias no atual contexto geopolítico desafiador.
Todos nós vemos que mudanças fundamentais estão ocorrendo no mundo. A ordem mundial unipolar, que servia aos interesses do chamado “bilhão dourado”, está ficando no passado. Está surgindo uma ordem mais justa, multipolar. O processo de transformação da ordem econômica mundial continua ganhando força. Tudo indica que o modelo da globalização liberal está se esgotando, enquanto o centro da atividade econômica se desloca para os mercados em desenvolvimento, impulsionando um forte crescimento — inclusive entre os países do Brics.
Para aproveitar ao máximo essas novas oportunidades, é fundamental intensificar a cooperação entre os países-membros do nosso grupo, especialmente em áreas como tecnologia, uso eficiente de recursos, logística, seguros, comércio e finanças.
Devemos continuar expandindo o uso de moedas nacionais nas transações entre nossos países. A criação, no âmbito do Brics, de um sistema independente de compensação e custódia permitiria tornar as transações cambiais mais rápidas, eficientes e seguras. A propósito, o uso de moedas nacionais no comércio entre nossos países está crescendo de forma constante: em 2024, a participação do rublo e de moedas de países amigos nas transações da Rússia com os demais países do Brics alcançou 90%.
Outra tarefa relevante é multiplicar os investimentos cruzados entre os países do grupo, inclusive por meio dos mecanismos do Brics e, em especial, do Novo Banco de Desenvolvimento. Com esse objetivo, a Rússia propôs a criação de uma nova plataforma de investimentos do Brics. A ideia é desenvolver instrumentos coordenados para apoiar e atrair recursos para as economias dos nossos países e também para os países do Sul Global e do Oriente.
É importante ressaltar que os colegas brasileiros deram continuidade às iniciativas lançadas durante a presidência russa no ano passado e propuseram trabalharmos em sua implementação. Entre os avanços comuns, destaco o lançamento de um mecanismo especial de consultas sobre questões da Organização Mundial do Comércio.
Estão em andamento os processos de criação de uma bolsa de grãos no Brics, de um centro de pesquisas climáticas, de uma plataforma logística permanente e de um programa de cooperação esportiva. Lembro também de outras ideias russas que consideramos úteis. Entre elas: a criação de uma parceria nos mercados de carbono, de um centro de arbitragem para investimentos, de uma plataforma para concorrência justa e de uma secretaria fiscal permanente no Brics. Contamos com o apoio dos colegas do grupo para essas iniciativas promissoras.
E mais: em setembro, Moscou sediará o concurso internacional de música popular “Intervisão”. Esse concurso já despertou grande interesse, com artistas de diversos países do Brics e parceiros confirmando presença. Trata-se de um grandioso projeto humanitário voltado à promoção de valores culturais, espirituais, familiares e universais que unem todos os nossos países.
Para concluir, gostaria mais uma vez de agradecer aos colegas dos países-membros do Brics pela interação produtiva e construtiva. Acreditamos que a declaração final preparada para a aprovação nesta Cúpula do Rio de Janeiro representa uma base sólida para o nosso trabalho conjunto futuro — no espírito de continuidade e cooperação igualitária que é a marca do Brics.
Agradeço pela atenção.”