Lula chama postura de Trump de ‘inaceitável’, diz que Brasil vai buscar OMC e não aceita intromissão: ‘Um desaforo muito grande’


Em entrevista ao Jornal Nacional, presidente diz que país está disposto a usar reciprocidade com produtos americanos se impostos se confirmarem. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) classificou a decisão anunciada nesta quarta-feira (9) pelo presidente dos EUA Donald Trump de taxar produtos brasileiros em 50% de “inadmissível”, disse que vai recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) e que, caso a medida se confirme, está disposto a utilizar a reciprocidade.
Em entrevista exclusiva ao Jornal Nacional, o presidente disse que a vinculação do aumento nos impostos a questões judiciais internas do Brasil – Trump relacionou a medida às ações em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro – é algo que “um ser humano e um governo não pode admitir.”
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“É inaceitável que o presidente Trump manda uma carta, sabe, pelo site dele, sabe, e começa dizendo que é preciso, sabe, acabar com a caça as bruxas. Isso é inadmissível. Primeiro, porque isso aqui tem Justiça e a gente está fazendo um processo com direito a presunção de inocência de quem é vítima. Se quem é vítima e cometeu um erro vai ser punido. Aqui no Brasil é punido”, disse o presidente.
Lula disse que não vai perder a calma sobre o tema, mas que o país está disposto a aplicar contramedidas previstas na chamada Lei de Reciprocidade.
Sancionada em abril pelo próprio Lula, a lei permite que o governo brasileiro adote medidas de retaliação contra países ou blocos econômicos que apliquem barreiras comerciais, legais ou políticas contra o Brasil.
“O Brasil utilizará a Lei da Reciprocidade quando necessário e o Brasil vai tentar junto com a OMC, com outros países, tentar fazer com que a OMC tome uma posição para saber quem é que está certo ou que está errado. A partir daí, se não houver solução, nós vamos entrar com a reciprocidade já a partir de primeiro de agosto quando ele começa a taxar o Brasil”, disse o presidente.
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“Nós entendemos que o Brasil é um país que não tem contencioso com ninguém, nós não queremos brigar com ninguém, nós queremos negociar e o que nós queremos é que sejam respeitadas as decisões brasileiras”, afirmou.
Sobre medidas institucionais, o presidente disse que cabe ao Itamaraty decidir se medidas como a convocação da embaixadora brasileira nos EUA para consultas em Brasília – um ato considerado duro na diplomacia – serão adotadas.
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Reunião com empresários
Lula disse que vai se reunir com empresários que atuam em exportações para os EUA para discutir a reação ao anúncio, e enfatizou esperar que “estejam aliados ao governo brasileiro.” Ele também afirmou que vai procurar novos mercados para os produtos brasileiros.
“Essa é a hora da gente mostrar que o Brasil quer ser respeitado no mundo, que o Brasil é um país que não tem contencioso com nenhum país do mundo e que, portanto, a gente não aceita desaforamento contra o Brasil”, disse o presidente.
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Sobre a falta de proximidade com o governo americano após a posse de Trump, o presidente brasileiro disse que enviou carta parabenizando o americano pela vitória nas eleições, mas que não tem “o que conversadr com o Trump até agora” e que “ele não dá motivo para que a gente tenha nada para conversar com ele.”
Lula lembrou que, em junho, o americano deixou a reunião do G7, no Canadá, antes mesmo da chegada de presidentes convidados – incluindo o próprio Lula–, e voltou a criticar a forma como o anúncio foi feito por Trump nesta quarta-feira.
“Ele poderia ter ligado para o Brasil para dizer da medida que ele vai tomar. Ele não mandou nenhuma carta, nós não recebemos carta. Ele publicou no site dele em uma total falta de respeito, que é um comportamento dele com todo mundo. E eu não sou obrigado a aceitar esse comportamento desrespeitoso entre relações de chefe de Estado”, reforçou.
Ainda assim, Lula não descartou que, se necessário, tentar entrar em contato direto com Trump, mesmo que o americano se recuse a conversar com ele.
Brics
O presidente minimizou a possível influência de declarações dadas por ele durante o encontro da Cúpula do Brics no último fim de semana, no Rio de Janeiro, na medida anunciada por Trump.
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Jornal Nacional/ Reprodução
🌎Formado em 2006 pelos quatro países que deram o nome original (Brasil, Rússia, Índia e China), o grupo adicionou a África do Sul em 2011 e, em 2024, dobrou de tamanho ao acrescentar Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã, com a adesão este ano da Indonésia.
Enquanto o encontro ocorria, o presidente americano ameaçou implantar uma tarifa de 10% a qualquer país que se alinhasse às políticas do Brics, o que levou a respostas dos representantes dos países participantes, incluindo Lula.
“Queremos dizer ao mundo que nós somos países soberanos. Não aceitamos intromissão de quem quer que seja nas nossas decisões soberanas, do jeito que nós cuidados dos nosso povos”, disse o presidente brasileiro em discurso durante o evento.
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Nesta quinta-feira, Lula reforçou a relevância do grupo e disse que o chefe de Estado americano precisa de informações melhores.
“O Brasil nunca ficou nervoso com a participação do G7, o Brasil nunca ficou nervoso com as coisas que os Estados Unidos faz. Cada país tem a soberania de fazer aquilo que quer. Então eu penso que o presidente Trump precisa se cercar de pessoas boas que o informem corretamente sobre como é virtuosa a relação Brasil-Estados Unidos”, afirmou.
Visita a Kirchner
Perguntado sobre sua visita à ex-presidente argentina Cristina Kirchner, no último dia 3, Lula contestou as comparações entre os casos. Na visita, o presidente brasileiro posou para fotos segurando um cartaz que dizia “Cristina Libre” (“Cristina Livre”), em referência à condenação por corrupção contra a ex-presidente do país vizinho.
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Reprodução/X
Uma comissão da Câmara dos Deputados convocou o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, para dar explicações sobre o episódio. O tema foi lembrado pela oposição após a reação do governo brasileiro ao anúncio de Trump.
“Eu fui fazer uma visita humanitária, eu nunca me preocupei que o Trump recebesse o Bolsonaro ou qualquer pessoa, é direito de cada presidente fazer o que quiser. O que não é direito é um presidente querer dar palpite na decisão de Justiça de um país”, disse.
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