
O presidente Lula assinou o decreto que regulamenta a Lei da Reciprocidade Econômica
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou, nesta segunda-feira (14), o decreto que regulamenta a Lei da Reciprocidade Econômica.
A lei foi aprovada em abril e sua regulamentação acontece menos de uma semana depois de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar tarifas de 50% sobre produtos brasileiros.
O decreto estabelece em que casos e de que forma o governo brasileiro pode retaliar medidas como as impostas por Trump na semana passada.
O texto detalha os “critérios para suspensão de concessões comerciais, de investimentos e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual em resposta a medidas unilaterais adotadas por país ou bloco econômico que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira”.
A elaboração do decreto que regulamenta a lei foi um dos primeiros passos tomados pelo governo brasileiro após o anúncio das tarifas de Trump.
Lei da Reciprocidade: entenda o texto citado por Lula para responder tarifaço de Trump
O norte-americano anunciou as tarifas na quarta-feira (9) por meio de uma postagem em suas redes sociais.
Na postagem, Trump publicou uma carta endereçada a Lula na qual vincula as tarifas de 50% a qualquer produto brasileiro ao tratamento que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está tendo do Judiciário brasileiro.
Bolsonaro é réu em um caso que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) por supostamente liderar uma tentativa de golpe de Estado para impedir que Lula tomasse posse como presidente, em 2023.
Bolsonaro, no entanto, nega as acusações. Trump, por sua vez, classificou o processo no qual Bolsonaro é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) como uma “caça às bruxas” e disse que o julgamento do ex-presidente “não poderia estar acontecendo”.
O governo reagiu e, por meio de nota, disse que “o Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”.
Em entrevistas, Lula disse que o governo poderia usar a Lei de Reciprocidade Econômica para reagir às tarifas de Trump.
Oficialmente, o governo brasileiro ainda não estabeleceu que setores e de que forma o Brasil vai responder às medidas norte-americanas, mas a regulamentação do decreto era vista como necessária para que o governo pudesse ter “munição” para reagir a partir do 1° de agosto, data a partir da qual, segundo Trump, as tarifas a produtos brasileiros entrarão em vigor.
A Lei da Reciprocidade Econômica foi aprovada por ampla maioria no Congresso Nacional, num movimento inusitado das bancadas governistas e de oposição que, nos últimos anos, têm votado cada vez mais raramente na mesma direção.
O que diz a lei?
Segundo o projeto aprovado no congresso e sancionado pelo presidente, a Lei de Reciprocidade Econômica pode ser utilizada em três circunstâncias.
A primeira ocorre quando um país ou bloco econômico ameaçar ou impuser, de forma unilateral, barreiras comerciais, financeiras ou de investimentos com o objetivo de interferir em decisões “soberanas” do Brasil.
Um exemplo prático disso seriam as tarifas de Trump condicionadas ao andamento de um processo judicial contra um cidadão brasileiro — no caso, Jair Bolsonaro.
A segunda possibilidade de utilização da lei é se um país ou bloco econômico violar termos de um acordo comercial com o Brasil, prejudicando o país e as empresas brasileiras.
A terceira possibilidade é a imposição de medidas comerciais baseadas em exigências ambientais que sejam mais restritivas que as previstas pela lei brasileira.
Um exemplo prático seria impedir a compra de commodities agrícolas brasileiras produzidas no Cerrado ou na Amazônia de acordo com as normas ambientais brasileiras sob o argumento de normas ambientais do país ou bloco comprador teriam sido violadas pelos produtores brasileiros.
Se essa exigência for unilateral e não baseada em acordos multilaterais, e tiver um impacto negativo na exportação de produtos brasileiros, o Brasil poderia considerá-la uma medida passível de retaliação sob esta lei.
Regulamentação da Lei de Reciprocidade acontece dias depois de Trump anunciar tarifas de 50% sobre o Brasil
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Quais as armas do governo?
O decreto assinado na segunda-feira (14) também elenca os mecanismos que o governo tem para reagir às tarifas.
A principal ferramenta é a imposição de tarifas a importações de bens ou serviços importados do país que iniciou a guerra tarifária.
Pelo decreto, o Brasil pode aplicar tarifas adicionais ou sobretaxas a produtos específicos. A ideia é torná-los mais caros e, consequentemente, menos competitivos no mercado brasileiro.
O governo ainda não definiu quais serão os setores que seriam alvo desse tipo de mecanismo.
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Uma das preocupações é, segundo diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil, não sobretaxar produtos cuja elevação do preço possa afetar setores da indústria brasileira.
Essa medida é uma das que o governo avalia como mais provável de ser utilizada no curto prazo.
A ideia, segundo integrantes do governo, é que ela seja posta em prática contra setores como o farmacêutico ou o de audiovisual.
Na prática, essa medida não onera os custos dos produtos ao Brasil, mas permite, por exemplo, que fábricas brasileiras possam produzir medicamentos que tenham sua fórmula protegidas por patentes.
O terceiro mecanismo é a possibilidade de o Brasil deixar de cumprir termos de acordos comerciais firmados com o país ou bloco “agressor”.
Isso teria impacto em cotas de importação ou de exportação previamente acordadas entre as partes.
Regulamentação da lei estabelece as regras para a aplicação de contramedidas sobre taxas que podem prejudicar exportações brasileiras
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Olho por olho, dente por dente?
Apesar de ter sido batizada como “Lei de Reciprocidade Econômica”, o decreto que regulamentou o texto manteve a ideia de que a sua aplicação não deverá atender lógica do “olho por olho, dente por dente” de forma irrestrita.
A lei, por exemplo, estipula que a imposição de medidas de retaliação deverá “minimizar o impacto sobre a atividade econômica e evitar ônus e custos administrativos”.
Essa determinação é resultado da preocupação do governo e do Congresso de que tarifas contra determinados produtos importados possam acabar prejudicando cadeias produtivas já instaladas no Brasil que dependam desses insumos para a produção de bens ou serviços no país.
O decreto também prevê as etapas para a adoção de medidas de retaliação.
A primeira será a formação de comitês para avaliar o caso e a realização de consultas públicas com representantes das partes interessadas.
Na prática, o governo já deu início a essa fase ao montar uma comissão com empresários de diferentes setores para discutir a resposta do governo.
No decreto assinado pelo presidente Lula, o grupo que avalia o caso é chamado de “Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais”.
Ele é presidido pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (o também vice-presidente Geraldo Alckmin), e conta com a participação dos ministérios da Casa Civil, da Fazenda e das Relações Exteriores.
As contramedidas brasileiras também serão avaliadas pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), onde haverá a participação de representantes da administração pública e de setores privados da economia.
A segunda etapa envolve estipular prazos para análise das demandas enviadas pelos setores consultados.
O terceiro passo é a sugestão e a implementação das medidas, com eventuais consultas diplomáticas e negociações.
O decreto também estipula que o Poder Executivo fica autorizado a adotar retaliação de forma provisória enquanto o governo realiza as etapas anteriores.
O texto também prevê que o governo deverá montar uma comissão de monitoramento das retaliações e que poderá revogá-las ou alterá-las com base nas negociações diplomáticas em curso.