Há quase um século, loja de sapatos sobrevive ao tempo com gestão familiar em Juiz de Fora


Loja Orion funciona na Rua Marechal Deodoro, no Centro de Juiz de Fora
g1
Uma loja de sapatos que permanece no mesmo endereço há quase um século. Fundada em 1930, o estabelecimento acompanhou gerações, crises e transformações, mas manteve o balcão, o sobrenome da família e o jeito antigo de receber o cliente no Centro de Juiz de Fora.
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Em comemoração ao Dia do Comerciante, celebrado na última quarta-feira (16), o g1 conta a trajetória da Casa Orion, que completa 95 anos de tradição familiar e atendimento à moda antiga.
A história começou com Victorio, pai de Oddone Vilar Turolla, que é o atual dono e cresceu por ali, entre caixas de sapatos e conversas de balcão. Assim, fez do lugar quase uma extensão de casa.
“Quando a loja começou, eu não tinha nascido ainda. Ela foi criada em 1930 e eu nasci em 1934. Mas foi ideia do meu pai. Ele deu o nome de Casa Orion por causa da constelação de Órion, que dizem ser a porta do céu”, contou Oddone Vilar Turolla, de 90 anos.
Desde pequeno, Oddone esteve envolvido ao dia a dia do comércio. Antes mesmo de aprender a vender, ajudava como podia: varria o chão, buscava sapatos para os clientes, abria caixas de mercadoria. Foi justamente numa dessas tarefas que viveu um episódio marcante e doloroso.
“Os sapatos vinham embrulhados com barbante. Me pediram pra abrir um pacote, mas não tinha tesoura. Me deram um canivete. Quando fui puxar, o canivete veio direto na vista. Perdi a visão do olho direito”.
Apesar do acidente, ele não se afastou da loja. Ao contrário, o entra e sai de clientes, as conversas de balcão e a rotina do comércio sempre o encantaram. O interesse virou escolha de vida, e ele fez curso de contabilidade para dar continuidade ao negócio do pai.
“Sempre me motivou muito. Meu pai me colocou cedo na loja, e eu acabei ficando exatamente num segmento com o qual me identifiquei”.
Dificuldades e trocas de gerações
Durante as décadas de trabalho, o comerciante viu Juiz de Fora se transformar e enfrentou de perto os altos e baixos da economia. Entre tantas crises, uma ficou especialmente marcada. “O Plano Collor. Esse foi o pior. Segurou a grana de todo mundo. Mas, mesmo assim, a gente conseguiu superar. Foram muitas fases difíceis, mas a gente sempre achou um jeito de continuar”, lembrou.
Nem as enchentes da rua, que invadiam a loja antes da existência de um sistema de escoamento de água, desanimaram o comerciante.
“A água descia com tanta força que molhava tudo. A gente tinha que correr para colocar a mercadoria nas partes mais altas. Mesmo assim, às vezes perdia. No dia seguinte era vender sapato ‘salvo da enchente”.
Hoje, quem está à frente do comércio é o filho de Oddone, Marcus Vinicius. E a quarta geração já participa do negócio: Pedro, filho de Marcus e um dos 12 netos de Oddone, também auxilia nas vendas.
Casa Órion em Juiz de Fora com a família reunida em frente à loja
Oddone Turolla/Arquivo pessoal
Por causa de problemas de saúde, aos 90 anos, Oddone já não consegue mais descer a escada para chegar até a loja. Mas continua presente do seu jeito. “Todo dia eu pergunto para o meu filho como foi o movimento. Gosto de saber de tudo. Ainda me interesso muito”, afirmou.
Forte relação com os clientes
Ele conta que, com o passar do tempo, foi ficando cada vez mais comum ver o neto de um antigo cliente entrando pela porta. Muitos chegam já contando histórias da infância, do sapato que compraram ali há 30 anos, do atendimento que lembram com carinho.
“Isso acontece todo dia. Entra alguém e comenta: ‘meu pai comprava aqui, meu avô comprava aqui’. É muito gratificante. A gente cria uma relação que vai além da venda. É confiança mesmo”.
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Oddone ainda lembra de modelos que mal ficavam na prateleira. Chegavam num dia e no outro já tinham sido vendidos. Para ele, o verdadeiro segredo da longevidade não está nos produtos.
“O cliente é a base de tudo. A gente sempre deu atenção, ouviu, procurou entender. Isso não mudou, mesmo com o tempo passando”.
Conforme ele, a loja teve que acompanhar as mudanças ao longo dos anos e ampliar seu catálogo:
“A gente tem que se adequar aos novos tempos. Começamos vendendo calçados e, com o correr do tempo, fomos sentindo a necessidade de incrementar novos produtos. Inserimos o material esportivo, hoje temos uma linha completa, além dos calçados e todas as modalidades. A gente vai acompanhando a evolução dos tempos”.
Três gerações de Turollas: Oddone ao lado do filho Marcus Vinicius (esq) e Pedro (dir) na loja da família no Centro de Juiz de Fora
Roberta Oliveira/G1
Quando pensa no futuro, ele diz que espera que a loja continue sendo lembrada como sempre foi, feita “com trabalho honesto, atendimento próximo e amor por Juiz de Fora”, resume.
“É como está sendo lembrada até hoje, né? Tradição de quatro gerações. Você vê que na cidade poucas são as empresas que se mantêm durante um período desses. E nós estamos desafiando o tempo.”
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