‘Barulho da morte’: Um mês após balão despencar e matar 8 pessoas em SC, moradores lidam com traumas e evitam assunto


Balonismo em Praia Grande (SC)
Patrick Rodrigues/ NSC
A queda do balão com 21 pessoas em Praia Grande (SC) mudou a vida de moradores antes acostumados a apreciar o céu colorido pelos veículos movidos a ar quente. Nesta segunda-feira (21), um mês após o acidente que deixou oito mortos nas proximidades da comunidade de Cachoeira de Fátima, alguns ainda evitam olhar para o alto
O que antes era encantamento, hoje é silêncio e apreensão. Tanto que, um dos relatos mais impressionantes daquele 21 de junho, vem de uma moradora que prefere não se identificar.
A mulher conta que escovava os dentes quando uma pessoa despencou do céu e caiu no quintal da casa dela. Além do susto, ela mal conseguiu descrever o que sente até hoje ao lembrar o barulho do balão em queda livre passando próximo de onde mora. O som era semelhante a uma turbina de avião, contou.
“Hoje, não consigo mais ouvir. É o barulho da morte”, detalhou.
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A vítima que despencou no quintal era o patinador artístico Leandro Luzzi, de 35 anos, que estava na cidade para realizar o sonho de voar de balão. Quatro pessoas morreram carbonizadas e outras quatro, incluindo Leandro, decidiram pular da estrutura, mas não resistiram aos ferimentos.
Após o acidente, todos os voos na cidade foram suspensos, e as dezenas de empresas que atuam na região só puderam retomar as atividades na manhã de 2 de julho. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que vai atualizar regras para viagens de balões tripulados no Brasil.
Atualmente, o balonismo turístico no Brasil não conta com regras técnicas específicas. As regras em vigor se referem ao balonismo desportivo (veja mais abaixo).
O passeio era operado pela empresa Sobrevoar, que disse em nota que suspendeu as atividades e que “o piloto tentou salvar todos a bordo”. A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar o caso e, na sexta-feira (18), ainda aguardava a realização de perícias no extintor e no maçarico do balão.
Outra rotina
A moradora da comunidade Cachoeira de Fátima, que fica a 800 metros de um dos campos de decolagem mais usados pelos balonistas de Praia Grande, conta que passou duas noites sem dormir, além de dias procurando pertences de Leandro para mandar para a família. Ela achou um relógio e uma pulseira no pátio. Hoje, faz terapia e toma remédios para superar o trauma.
Quase todas as manhãs, moradores como ela costumavam ver, e até cumprimentar, turistas que sobrevoavam o bairro. Agora, muitos que presenciaram as quedas ou ajudaram os sobreviventes evitam tocar no assunto.
A sensação de que aquele dia ainda não acabou é tanta, que em uma escola infantil localizada na região, a direção pediu aos pais que não comentassem sobre o acidente em casa, pois algumas crianças ficaram traumatizadas.
O barulho daquele fogo pertinho, você começa a lembrar tudo. Você nunca vai esquecer”, conta outra moradora, a Francielle Santana de Moraes, de 30 anos, que mora a poucos metros de onde o balão caiu, às margens da rodovia PRG-411.
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Balonismo em Praia Grande, uma das ‘Capadócias Brasileiras’
➡️ Segundo a prefeitura, a atividade impacta diretamente a economia da cidade, gerando 500 empregos diretos e indiretos, além de movimentar entre R$ 100 a R$ 150 milhões por ano no município de 8,2 mil habitantes. São mais de 650 a 700 pousos e decolagens por mês.
Localizada na divisa com o Rio Grande do Sul, Praia Grande atrai visitantes de todo o país, concentra a maior cadeia de cânions da América Latina e é comparada à famosa Capadócia, na Turquia, onde milhares de turistas sobrevoam todos os anos paisagens em balões de ar quente.
Resquícios do balão que caiu em Praia Grande (SC)
Patrick Rodrigues/ NSC
Investigação
A Polícia Civil de Santa Catarina confirmou que já ouviu os 13 sobreviventes da queda do balão e localizou o extintor de incêndio que não teria funcionado no momento do acidente, além do maçarico que teria causado o fogo. A investigação ainda aguarda as perícias nos utensílios.
Em uma reconstituição, na sede da empresa responsável pelo balão, em 26 de junho, o piloto Elves de Bem Crescêncio demonstrou à polícia como teria ocorrido o acidente e manteve a versão de que houve problema no extintor.
Paralelamente, o Ministério Público de Santa Catarina abriu um inquérito civil e pediu que a Sobrevoar esclarecesse as causas e circunstâncias do acidente.
Também solicitou à Polícia Civil o compartilhamento do inquérito policial e pediu à prefeitura de Praia Grande a relação das empresas autorizadas a realizar passeios turísticos com balões na cidade.
Balão pega fogo durante passeio e cai em Praia Grande (SC)
O g1 buscou o órgão estadual na sexta-feira (18), que informou que o processo corre em sigilo e que “em momento oportuno, serão divulgadas informações”.
A prefeitura de Praia Grande informou que, desde o início, tem se colocado à disposição das autoridades para fornecer informações e reforçou que “não possui autorização nem competência legal para fiscalizar ou controlar a atividade de balonismo”.
“Por isso, o município vem buscando junto à Anac e ao Ministério do Turismo a regulamentação da atividade comercial, com o objetivo de garantir segurança jurídica, fiscalização adequada e ordenamento da atividade no território municipal”, diz o texto.
Anac diz que negou licença de voo livre
A Anac afirmou que o piloto que operava o balão solicitou ao órgão a licença de voo livre (PPB), mas teve o pedido negado por falta de informações. O dado consta no processo aberto pelo MPSC que investiga o caso.
Assinado em 7 de julho, o despacho da Anac afirma que o piloto Elves de Bem Crescêncio fez a solicitação em 15 de dezembro de 2022. Quinze dias depois, a agência indeferiu o pedido. Ainda segundo o documento, o balão é do “tipo não certificado”.
Procurada, a advogada Aline Marques, que faz a defesa do piloto, afirmou que o cliente tem longa experiência em voos de instrução e que a resposta da Anac corrobora com tudo que ela tem defendido.
“O piloto não possui qualquer advertência administrativa ou histórico desabonador, pelo contrário, mostra que há sim uma perícia, habilidade técnica e prática. O segundo ponto, comprova que o piloto e a aeronave possuem cadastro pela RBAC n° 103”, pondera Aline.
Queda de balão em SC: Anac diz que negou licença de voo livre a piloto
ANAC/NSC TV
Na prática, o documento faz parte de um processo interno da própria Anac, que solicitou informações para auxiliar na resposta sobre a situação do piloto junto ao órgão. O texto cita, por exemplo, que não foi informado onde foi feita a instrução de prática do piloto e solicita que, após as pendências sanadas, as informações sejam reenviadas (veja acima).
Retomada dos voos e regulamentação
Os voos de balão foram retomados em Praia Grande por volta das 7h10 do dia 2 de julho.
Murilo Gonçalves, presidente da Associação de Pilotos e Empresas de Balonismo (AVIBAQ), afirmou que a volta ocorreu com novidades em termos de segurança. Entre as medidas, estão a instalação de dois extintores de incêndio em cada balão, o uso de rádios intercomunicadores e melhorias técnicas no manuseio dos equipamentos.
🔎 Oficialmente, no entanto, o balonismo turístico no Brasil não conta com regras técnicas específicas. As diretrizes em vigor se referem ao balonismo desportivo, sob responsabilidade da Anac.
Ou seja, não há regras definidas para voos de balão transportando pessoas mediante cobrança de passagens.
O órgão informou, em 8 de julho, que vai atualizar as normas para operações com balões tripulados no Brasil. Os critérios deverão ser observados por operadores que pretendem explorar comercialmente a atividade, como o que acontece em Praia Grande.
Eles devem contar com estratégias de monitoramento e fiscalização das operações tanto por parte da Anac quanto das forças de segurança pública, prefeituras e outros órgãos locais, com atuação de forma coordenada.
Raio-X do balão que pegou fogo com 21 pessoas em Praia Grande (SC)
g1
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