
Maria Piedade em estúdio na gravação do álbum em que conta, com nove músicas, a história de amor com Paulo Dias Novaes (1928 – 2007)
Acervo Pessoal Maria Piedade
♫ NOTÍCIA
♪ O lançamento do álbum Maria Piedade, neste mês de julho de 2025, reacende uma estrela apagada há 71 anos por força das circunstâncias sociais. Maria Piedade, a cantora paulista dona do disco e da voz, tem atualmente 91 anos e debuta no mercado fonográfico fazendo jus ao lema “antes tarde do que nunca”.
Nascida em 1933 em Itapetininga (SP), município do interior do estado de São Paulo, Maria Margarida Piedade poderia ter se firmado como cantora da era do rádio, como tantas intérpretes da geração da artista. Mas viu o sonho ruir assim que o realizou.
Em 1954, Maria Piedade tinha 21 anos incompletos e estava em São Paulo (SP), cidade para onde tinha ido com o objetivo de estudar no Conservatório de Canto Orfeônico. Foi quando surgiu a oportunidade de se inscrever no concurso A voz do centenário, promovido pela Rádio Nacional para celebrar o IV centenário da capital de São Paulo em janeiro daquele ano de 1954.
Maria venceu o concurso, derrotando cerca de 300 cantoras, e foi contratada pela Rádio Nacional, emissora na qual cantou durante meses. Até que um dia, ainda em 1954, o pai da artista – Luiz Trindade, tropeiro cantador de caráter conservador – ficou mal impressionado com o ambiente liberal da rádio, sobretudo com a alegria esfuziante de Almira Castilho (1924 – 2011) em show com o parceiro Jackson do Pandeiro (1919 – 1982), e botou pressão para Maria Piedade interromper a então nascente carreira de cantora do rádio. Luiz quis afastar a filha do meio musical.
A filha acabou acatando a decisão do pai, até porque Maria decidiu reatar o noivado com Paulo Dias Novaes (1928 – 2007), o jovem médico que havia rompido com ela, por carta, pondo fim ao relacionamento que mantinha com a artista. Como Paulo se arrependeu de ter dado encerrado o romance, ao ouvir a então ex-namorada cantar na Rádio Nacional um samba intitulado justamente Arrependimento (Silvio Caldas e Cristóvão de Alencar, 1935), Maria Piedade resolveu pôr o amor na frente da música.
Retomada a relação amorosa apenas dois meses após o término, a cantora se acertou definitivamente com Paulo e se casou com ele em julho de 1957, se mudando com Paulo para Avaré (SP) e adicionando o sobrenome do marido ao registro civil, como mandava a sociedade da época. Foi quando Maria Piedade passou a ser conhecida em Avaré (SP) como Margarida Novaes, professora que dava aulas de música.
Da união de Maria com Paulo, nasceram oito filhos que geraram 21 netos para o casal e, por ora, dez bisnetos. Foram os descendentes de Margarida Novaes – muitos envolvidos com a música na arte do canto e/ou na seara da produção musical – que a incentivaram a trazer à tona a cantora Maria Piedade de 1954 no álbum enfim lançado com nove músicas que reverberam o estilo da música brasileira da era do rádio, antes da revolução da bossa nova.
O neto Paulo Novaes assina a produção musical do disco. Já os arranjos são do violonista João Camarero, cuja primeira professora de música foi Lucila Novaes, filha de Maria Margarida.
Através das nove músicas do álbum, Maria Piedade conta a história de amor com o marido que, uma vez reatada naquele decisivo ano de 1954, foi interrompida somente com a morte dele, em 2007.
Não por acaso, a música que motivou a reconciliação, o já mencionado samba Arrependimento, consta no repertório do disco ao lado de sambas-canção como Mensagem (Cícero Nunes e Aldo Cabral, 1946), Amar (Jair Amorim e José Maria de Abreu, 1949) e Bar da noite (Haroldo Barbosa e Bidú Reis, 1953).
Com voz posta no estilo das cantoras da era do rádio, Maria Piedade dá voz a músicas como Estava escrito (Lourival Faissal) – lançada pela contemporânea Angela Maria (1929 – 2018) no mesmo ano de 1954 em que Maria iniciou e encerrou a breve carreira de cantora – e Menino grande (Antonio Maria, 1952), composição citada no título de música inédita do repertório, Oração para um menino grande, de autoria de um dos filhos de Maria, Juca Novaes, cantor que integra o grupo Trovadores Urbanos ao lado da irmã Maida Novaes.
Além do violão e dos arranjos de João Camarero, o disco Maria Piedade tem os toques dos músicos Breno Ruiz (piano), Igor Pimenta (baixo) e Carlito Mazzoni (bateria).
Mixado e masterizado por Tó Brandileone, o álbum Maria Piedade começou a ser gravado entre 2018 e 2019. A retomada das gravações aconteceu em 2021. E o lançamento acabou sendo feito há dez dias, em 14 de julho, reavivando um sonho interrompido há 71 anos, embora a rigor o que Maria Piedade abandonou em 1954 – em mix de pressão paterna e vontade própria para se dedicar ao romance com o futuro marido – tenha sido a carreira de cantora, jamais a música.
Capa do álbum ‘Maria Piedade’
Marina Novaes