Biodiversidade sofre com incêndios florestais até em áreas que não queimaram, aponta pesquisa


Saí-azul (Dacnis cayana) registrado por um dos autores do artigo
Ederson Godoy
Mesmo sem serem diretamente atingidas pelo fogo, algumas florestas sofrem com os impactos dos incêndios que aconteceram por perto. Essa é a principal descoberta de uma pesquisa feita na região do Corredor Cantareira‑Mantiqueira, em São Paulo e Minas Gerais.
O estudo analisou fragmentos florestais afetados pelo fogo entre 2014 e 2022 e mostrou que a biodiversidade sofre mesmo onde as chamas não chegaram. A pesquisa, publicada na revista científica Forest Ecology and Management, foi conduzida no âmbito do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD), vinculado à UNESP de Rio Claro.
A partir de dados do MapBiomas-Fogo, os pesquisadores selecionaram áreas queimadas e também fragmentos próximos não atingidos, que serviram como refúgios para a fauna durante e após os incêndios.
Corujinha-do-mato (Megascops choliba)
Ederson Godoy
O foco da análise foram as aves. Mais especificamente, as guildas alimentares, ou seja, grupos de aves que compartilham tipos semelhantes de alimentação – como frugívoras, insetívoras e nectarívoras.
A pesquisa mostrou que o aumento da “pirodiversidade” – termo que se refere ao mosaico de florestas com diferentes graus de distúrbio causado por incêndios – prejudicou a função de refúgio das áreas não queimadas, resultando em menor riqueza de aves nos fragmentos intactos. Desse modo, a função de refúgio desses locais estaria sendo comprometida.
“A escolha dos locais de estudo seguiu critérios definidos por estudos anteriores, os quais indicam que as aves podem levar até dez anos para se restabelecer ecologicamente em áreas afetadas pelo fogo”, relata o pesquisador Ederson José de Godoy, do Instituto de Ciências da Natureza da Universidade Federal de Alfenas (ICN-Unifal) e primeiro autor do estudo.
Fêmea do choró-boi (Taraba major)
Ederson Godoy
Além disso, uma das questões centrais investigadas foi: será que aves generalistas são favorecidas em detrimento das espécies insetívoras de solo?
“Essa hipótese já havia sido confirmada em estudos realizados na Mata Atlântica, onde esse padrão se mostrou recorrente. Embora tenhamos observado indícios semelhantes, nossos dados não apresentaram robustez estatística suficiente para confirmar essa tendência de forma conclusiva”.
Por isso, os resultados foram incluídos em uma dissertação de mestrado que já foi publicada, não sendo contemplados no artigo publicado na revista Forest Ecology and Management.
Saíra-de-papo-preto (Hemithraupis guira)
Ederson Godoy
A pirodiversidade pode ser trazida também como um índice dice que mede a complexidade dos incêndios na paisagem, levando em conta a frequência, a intensidade e o padrão de fragmentação da vegetação. “Quanto maior a área queimada e mais intensas as queimadas, mais alterações ocorrem na estrutura da floresta”, explicam os autores.
Prevenção é mais importante
Diante dos resultados, os autores reforçam que a principal estratégia para proteger a biodiversidade é prevenir os incêndios. Isso passa por educação ambiental, fiscalização, políticas públicas efetivas e combate aos incêndios criminosos e acidentais.
Besourinho-de-bico-vermelho (Chlorostilbon lucidus)
Ederson Godoy
“Basta uma observação atenta e um mínimo de reflexão para compreender o quanto dependemos das florestas e dos serviços ecossistêmicos que elas fornecem gratuitamente – como a regulação climática, a atmosférica e hídrica, a manutenção da biodiversidade e a estabilidade dos ciclos ecológicos do qual somos parte”, finaliza Ederson.
Por isso, além de ações como o plantio de espécies nativas e a reconexão de fragmentos florestais, é urgente preservar os trechos que ainda estão bem conservados. Quanto mais íntegra uma floresta, menor a chance de que ela pegue fogo, graças à sua umidade e resiliência natural.
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