Irmão de jovem morto na Operação Verão em SP chama ação da PM de ‘chacina’


Câmera da PM registra ação que deixou cinco mortos durante Operação Verão em SP
A família de Kauê Henrique Diniz Batista, o adolescente de 17 anos que morreu durante uma ação policial na Operação Verão, reconheceu a voz dele em um vídeo gravado por câmeras corporais da PM em São Vicente, no litoral de São Paulo (assista acima). De acordo com o irmão, o jovem chegou a pedir ajuda aos policiais.
“O vídeo da câmera dos próprios policiais mostra o despreparo da Polícia Militar de São Paulo. Ele já baleado implora por ajuda, implora pela vida”, disse o mecânico de manutenção industrial Luiz Felipe Diniz Martins.
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Além de Kauê, outras quatro pessoas morreram na ação que ocorreu em fevereiro de 2024, no bairro Jardim Rio Branco. Um boletim de ocorrência pontuou que policiais foram alvos de tiros enquanto estavam em ação contra o tráfico de drogas e reagiram. No entanto, moradores contestaram a informação e afirmaram que os agentes “chegaram já atirando” (veja as duas versões adiante).
No início de julho, o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Castro, manteve arquivados 11 inquéritos que investigavam a conduta de PMs durante as operações Escudo e Verão, que deixaram um saldo oficial de 84 mortos na Baixada Santista (veja adiante).
Ao g1, Luiz Felipe afirmou que o irmão não foi morto em um confronto, mas em uma “chacina”. “Não houve abordagem nenhuma, os policiais já desceram da viatura atirando para tudo quanto é lado. Existem diversas testemunhas que estavam na rua quando tudo aconteceu, foi uma cena de filme, onde ceifaram a vida do meu irmão”, lamentou.
De acordo com o mecânico, Kauê era trabalhador e sonhava em dar um futuro melhor para a família, incluindo as filhas que tinham sete meses na época. “Ele tinha acabado de se tornar pai de gêmeas e era um amor surreal por elas. Ele sempre foi apegado a crianças”, afirmou Luiz Felipe.
Ainda segundo o irmão, Kauê almejava se tornar jogador de futebol, mas trabalhava olhando bicicletas em frente a um mercado, realizando também entregas de mercadorias vendidas pela internet. “Trabalhava nas horas vagas e estudava à noite”, explicou.
Kauê Henrique Diniz Batista era pai de gêmeas e sonhava em se tornar jogador de futebol
Arquivo Pessoal
Morte de Kauê
Ao g1, Luiz Felipe contou que o irmão morava com a mãe no bairro Parque das Bandeiras e tinha ido ao barbeiro na região do Jardim Rio Branco, onde foi baleado.
De acordo com ele, a família ficou horas na porta do hospital pedindo informações do estado de saúde do adolescente, mas depois descobriu que ele já estava morto. “Horário do acontecido foi às 19h15, ele faleceu às 20h30. Só foram informar para a gente às 3h30 da manhã”, relembrou.
O mecânico disse que não desistirá de lutar para que os responsáveis pela morte do irmão sejam punidos. “O que a gente queria era nosso Kauê com a gente, mas já que tiraram de nós, agora queremos justiça. Acho que é o mínimo que podemos exigir”, finalizou.
Imagens da ação
Câmeras corporais da Polícia Militar mostram a ação que deixou cinco suspeitos mortos em São Vicente. No vídeo, divulgado primeiro pelo UOL, é possível ver policiais correndo em uma área de mata por volta das 19h do dia 27 de fevereiro de 2024. “Larga, larga, larga! Se liga, malandro. Larga a arma, c*”, gritaram os agentes.
Como resposta, um dos homens afirmou que estava desarmado: “Sem arma, senhor! Não tem arma, senhor! Não tem arma, senhor! Pelo amor de Deus, senhor!”. Apesar disso, ainda é possível ouvir novos disparos efetuados pelos agentes.
Ação da PM deixou cinco suspeitos mortos no bairro Jardim Rio Branco, em São Vicente (SP)
Reprodução
Versão dos moradores
Segundo a população, um dia antes da operação, policiais militares estiveram no local procurando por um drone que teria desaparecido após apresentar um problema e fazer um pouso na área. Na ocasião, os agentes teriam feito ameaças de que retornariam ao local para uma operação.
“Eu estava aqui e vi tudo. Eles chegaram, umas cinco viaturas da Baep [Batalhão de Ações Especiais de Polícia] e simplesmente chegaram já atirando”, disse uma moradora do bairro em entrevista ao repórter Walace Lara, da TV Globo. A mulher teve a identidade preservada.
Chinelos e cápsulas de fuzil foram encontradas no Jardim Rio Branco, em São Vicente (SP)
Marco Antonio Gonçalves/TV Globo
Um outro morador deu a mesma versão. Ele contou que não existiu troca de tiros e lembrou os sons dos disparos. “Não foi um estampido aberto. Foi tiro de fuzil mesmo”, disse ao repórter da Globo.
“Era muito tá, tá, tá, tá… muito. Eu achei que tava desmoronando alguma casa, era um barulho muito alto”, complementou a moradora.
No dia seguinte aos disparos, a equipe de reportagem da TV Globo ainda encontrou no local pares de chinelos e ao menos 15 cápsulas de fuzis no chão.
Segundo apurado pelo repórter da TV Globo, cápsulas de outros tipos de arma não foram localizadas. Uma das testemunhas informou que a área não foi periciada.
Testemunhas negam confronto entre PM e suspeitos em operação com 4 mortos
Versão do BO
De acordo com o boletim de ocorrência (BO), obtido pelo g1, uma equipe policial realizava operação de combate ao tráfico de drogas na região e resolveu surpreender traficantes chegando a um ponto de venda por uma área de mata e mangue.
Como o local era de difícil acesso, os policiais solicitaram apoio de outras equipes, que foram em direção ao mesmo destino, mas pela rota normal. Segundo o BO, os traficantes se depararam com esses agentes e, por isso, tentaram fugir pela área de mata. Eles foram surpreendidos pela equipe que fazia a operação e passaram a disparar contra os policiais, que revidaram.
Caso aconteceu em região de mata do bairro Jardim Rio Branco, em São Vicente (SP)
Marco Antonio Gonçalves/TV Globo
Após o tiroteio, os agentes resgataram cinco homens que estavam caídos no chão baleados e acionaram o socorro. Eles foram encaminhados para hospitais da cidade, mas quatro não resistiram. Dias depois, ocorreu a morte do quinto suspeito.
Ainda segundo o registro policial, foram encontradas três armas de fogo (dois revólveres calibre 38 e uma pistola calibre 40) e um carregador ao lado dos homens baleados.
Já no ponto de venda de drogas, foram localizadas 68 porções de maconha, 55 pedras de substância aparentando ser crack e 77 porções de cocaína, separadas e embaladas para venda, além da quantia de R$ 729 em espécie e cinco aparelhos celulares.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) afirmou à época que a informação de que a PM teria perdido um drone na região era improcedente. A pasta ainda enfatizou que o grupo que foi morto estava com drogas e armas, que foram apreendidas.
Caso aconteceu no bairro Jardim Rio Branco, em São Vicente
g1 Santos
Investigações encerradas
Com a decisão do chefe do MP, não há mais nenhum caso em aberto para apurar a atuação dos policiais nessas operações. No total, foram oferecidas sete denúncias contra 13 policiais.
Em nota, o Ministério Público do Estado de São Paulo informou que a manutenção do arquivamento, confirmado pelo Judiciário, deu-se após “investigação ancorada no exame das imagens das câmeras corporais, na oitiva de testemunhas, na tomada de depoimentos para conhecer a versão dos agentes e na confrontação desses dados com os laudos periciais”.
O MP informou ainda que, “durante as Operações Escudo e Verão, o MPSP instaurou um Procedimento Investigatório Criminal para cada uma das mortes decorrentes de intervenção policial, realizando uma investigação independente daquela feita pela Polícia Civil do Estado de São Paulo, apurações estas que fundamentaram o oferecimento de sete denúncias contra 13 policiais militares”.
De acordo com o MP, durante as investigações:
92 pessoas foram ouvidas;
330 filmagens foram analisadas, somando o total de 166 horas de vídeos;
167 interrogatórios foram realizados;
inúmeras perícias foram conduzidas pelo Centro de Apoio à Execução (CAEx).
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse que só a Operação Escudo resultou na “captura de 388 foragidos da Justiça e de aproximadamente outros 600 criminosos”.
Além disso, 119 armas de fogo, incluindo fuzis de uso restrito, foram retiradas das ruas, e cerca de uma tonelada de drogas foi apreendida, informou a pasta em nota.
No âmbito da Operação Verão, a secretaria afirmou que outros 1.025 criminosos foram presos, sendo 438 procurados pela Justiça, e mais de 2,6 toneladas de drogas foram apreendidas.
A SSP ressaltou que “todas as ocorrências de morte durante as operações foram rigorosamente investigadas pelas polícias Civil (Deic de Santos) e Militar, com o acompanhamento das respectivas corregedorias, do Ministério Público e do Poder Judiciário”.
“Todo o conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, foi compartilhado com esses órgãos”, disse em nota.
O órgão acrescentou que investe “continuamente na capacitação do efetivo, na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo e em políticas públicas voltadas para a redução da letalidade”.
O que diz o Ministério Público de São Paulo
Abaixo, leia a íntegra da nota do MP-SP:
“O MPSP informa que nos casos em tela, depois de investigação ancorada no exame das imagens das câmeras corporais, na oitiva de testemunhas, na tomada de depoimentos para conhecer a versão dos agentes e na confrontação desses dados com os laudos periciais, decidiu manter o arquivamento.
Importante também ressaltar que a fundamentação da decisão dos promotores de Justiça está detalhada nos autos, bem como é imprescindível salientar que a promoção de arquivamento foi ratificada pelo Poder Judiciário.
Destaque-se que, durante as Operações Escudo e Verão, o MPSP instaurou um Procedimento Investigatório Criminal para cada uma das mortes decorrentes de intervenção policial, realizando uma investigação independente daquela feita pela Polícia Civil do Estado de São Paulo, apurações estas que fundamentaram o oferecimento de sete denúncias contra 13 policiais militares.
Durante as investigações realizou-se busca ativa de testemunhas, resultando na oitiva do total de 92 pessoas; 330 filmagens analisadas, somando o total de 166 horas de vídeos; 167 interrogatórios, além de inúmeras perícias realizadas pelo Centro de Apoio à Execução (CAEx).”
O que diz a Secretaria da Segurança Pública
Abaixo, leia a íntegra da nota da SSP:
“Realizada para combater o tráfico de drogas e o crime organizado na região da Baixada Santista, a operação Escudo permitiu a prisão de importantes lideranças de facções criminosas, a captura de 388 foragidos da Justiça e de aproximadamente outros 600 criminosos. Além disso, 119 armas de fogo, incluindo fuzis de uso restrito, foram retiradas das ruas, e cerca de uma tonelada de drogas foi apreendida. No âmbito da Operação Verão, outros 1.025 criminosos foram presos, sendo 438 procurados pela Justiça, e mais de 2,6 toneladas de drogas foram apreendidas.
Todas as ocorrências de morte durante as operações foram rigorosamente investigadas pelas polícias Civil (Deic de Santos) e Militar, com o acompanhamento das respectivas corregedorias, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Todo o conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, foi compartilhado com esses órgãos.
A atual gestão investe continuamente na capacitação do efetivo, na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo e em políticas públicas voltadas para a redução da letalidade. Além disso, os cursos ao efetivo são constantemente aprimorados e comissões direcionadas à análise dos procedimentos revisam e aperfeiçoam os treinamentos, bem como as estruturas investigativas.”
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