‘Sete mil homens viram a minha foto’: veja relatos de vítimas de divulgação de imagens íntimas


Vítimas contam sobre imagens íntimas divulgadas na internet
“7 mil homens viram a minha foto. Por que eu sei disso? Porque entrei no site e tinham 7 mil visualizações da minha foto. Ele [o ex-marido] recebeu Pix com a minha foto. Ele falou isso para mim depois.”
O relato ao g1, por videoconferência, é de uma das 771 vítimas divulgação de cenas de sexo, estupro ou pornografia no Rio de Janeiro só no ano passado.
Um levantamento exclusivo a partir de dados do Instituto de Segurança Pública do Rio indicou um aumento de 1.200% entre 2018 – ano em que foi iniciado o registro – e 2024.
As mulheres são as principais vítimas, e nesta abaixo você lerá alguns relatos delas. Para preservar os nomes, elas serão identificadas por letras.
A carioca X., cuja declaração abre a reportagem, conta que recebeu muitas mensagens de homens a procurando para programas sexuais devido à exposição de suas fotos em um site. Alguns chegaram a ir na loja onde ela trabalhava.
“Foram cinco homens me procurar como prostituta no meu trabalho.”
Após quatro anos de relatos de perseguições, idas e vindas no relacionamento, agressões físicas e ameaças frequentes, o ex e X. foi preso em Vila Valqueire, na Zona Oeste. A detenção, em 13 de julho, se deu por por descumprimento de medida protetiva.
“Ele foi preso porque ele ficou na esquina da minha casa. Eu tive que me mudar”, conta.
Sandro da Silveira Silva foi denunciado à polícia pelo menos 11 vezes pela vítima e tinha uma condenação transitada em julgado neste ano.
“Eu recebi piadinhas. ‘Pô, tá vendo? Se você fosse essa prostituta, tava ganhando dinheiro’. E eu tentando não ser aquela prostituta que eu não era. Na minha vida normal, eu estava na igreja e, na internet, era uma prostituta.”
“Eu não tenho mais rede social, a minha rede social é toda bloqueada. Eu hoje trabalho com rede social. Eu não posso postar, porque eu sou seguida. Eu não posso botar uma fotinha no TikTok para brincar, porque eu sou seguida”, relata.
O roteiro é conhecido de vítimas de violência contra mulheres – seja virtual ou física: uma intensa relação de dependência emocional que leva à dificuldade de sair do relacionamento.
“Esse homem foi um inferno na minha vida. E eu não conseguia sair porque ele não saía. Eu saí quando eu cheguei a esse ponto: ‘Eu não mereço isso, o que que eu estou fazendo aqui?”, relembra.
Após ser preso, Sandro foi levado para o presídio José Frederico Marques, em Benfica, no dia 14 de julho. Depois, foi transferido no dia 20 para a Cadeia Pública Juíza Patrícia Acioli, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.
A defesa de Sandro afirma que não há condenação criminal contra seu cliente, e que a prisão atual ocorreu no cumprimento de três mandados de prisão preventiva.
A defesa diz que os mandados se fundamentam “exclusivamente em prints de tela apresentados pela ex-companheira, sem qualquer perícia técnica, investigação digital ou prova concreta de autoria” (leia a nota completa ao final da reportagem).
Teve um nude vazado? Saiba o que fazer
Saiba o que é pornografia de revanche
Brasil tem ao menos 4 processos por dia por registro e divulgação de imagens íntimas sem consentimento
Impactos
A juíza Camila Guerin, que foi titular da vara de Violência Doméstica por muitos anos, afirma que o crime digital pode mexer mais com a saúde mental de uma mulher do que um crime cometido fisicamente contra a vítima.
“O digital se torna pior. Porque o digital eu não tenho a exata noção do alcance dele, né? Você não sabe para onde vai, não sabe quanto tempo vai durar, não sabe quanto tempo aquilo vai ficar no ar, não sabe quantas pessoas vão ver.”
Crimes sexuais digitais aumentam no RJ
Infografia: Dhara Pereira/g1
“Tive tudo meu clonado”
A relação de Y. – outra vítima que terá a identidade preservada – com o namorado a quem acusa de exposição durou apenas 6 meses, mas rende dor de cabeça até hoje.
Uma semana após o término, no início do ano passado, ela entrou em sua rede social e percebeu que todos os seus contatos tinham recebido a mesma mensagem de um perfil atribuído a ela.
“Quando eu fui filtrar esse perfil, era um perfil com meu nome, como se fosse clonando o meu próprio Instagram e com inúmeras fotos íntimas para me expor. Muitas pessoas viram amigos, família, colegas de trabalho, meus filhos sofreram perseguição, também sofreram cyberbullying.”
Ela alega que teve várias contas e informações hackeadas pelo ex-namorado e chegou a abrir uma ocorrência em uma delegacia na Zona Oeste contra ele por invasão de dispositivo informático.
“Telefone, e-mail, conta bancária, tudo: ele me acompanhava 24 horas por dia sem eu saber. E eu só descobri isso quando veio essa conta falsa à tona com fotos íntimas minhas, que não envolviam ele, mas eram fotos íntimas minhas com outras pessoas, a que só eu tinha acesso”, diz.
Com a ajuda do filho, a vítima tentou a derrubada dos perfis, mas o autor utilizava VPN (sigla em inglês para “rede privada virtual” ou “rede virtual privada”), o que dificultava a localização exata do endereço de IP em que os perfis estavam sendo criados.
Após alguns dias, ela conseguiu uma medida protetiva. A vítima relatou que, depois disso, não houve a criação de novos perfis.
O caso foi enviado da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) da Zona Oeste para a 2ª promotoria de investigação penal de Violência Doméstica da região. O inquérito foi enviado novamente à delegacia especializada para o cumprimento de novas diligências.
‘Até quando?’ Os números da violência contra mulher que insistem em subir
Consequências
Y. relatou que ficou muito abalada com tudo que ocorreu, devido à exposição das fotos para família e amigos e colegas de trabalho. Além do afastamento gradual do filho, ela disse que passou por momentos difíceis devido a gatilhos para ansiedade e pânico.
“Fiquei com um pouco de síndrome de pânico. Eu não dormia, não conseguia dormir. Era o tempo todo quando eu recebia uma notificação de qualquer coisa, de qualquer mensagem. Eu achava que poderia ser novamente aquilo acontecendo”, contou ela, que tenta reconstruir sua vida.”
“Não vou dizer para você que eu superei, mas hoje eu vivo melhor”.
X. lembra que foi demitida de um emprego porque Sandro teria ameaçado o ex-patrão dela. O caso foi investigado pela Polícia Civil. Depois, foi refazendo a vida, conseguiu um novo trabalho e agora se preocupa em ajudar outras possíveis vítimas.
“Eu vou usar a minha voz para ajudar outras mulheres que passaram esse processo. E nesse meio do caminho, eu ajudei muito a mulher que não sabia aonde ir. É muita gente perdida”, conta a vítima, que deu dicas para mulheres que possam estar passando por esse tipo de situação, envolvendo agressões físicas, verbais e psicológicas e qualquer tipo de exposição indevida na internet:
“É não desistir, não ter medo e procurar justiça. Tudo que ele fizer, dá queixa. Vamos provocar a Justiça para que ela funcione. A vítima não tem que se esconder.”
Para Y., é importante ter força para seguir em frente.
“Coragem para manter a cabeça erguida, coragem para fazer o que é certo, né? Para que você, de repente, possa estar ajudando uma outra pessoa que está ali na mesma situação ou parecida ou até pior.”
O que diz o citado
“A defesa de Sandro da Silveira Silva vem a público esclarecer que não há qualquer condenação criminal contra seu cliente. A atual prisão decorre do cumprimento de três mandados de prisão preventiva, todos expedidos pelo mesmo juízo, com base nos mesmos fatos, mas distribuídos em três processos distintos. Trata-se, portanto, de uma medida excessiva e desproporcional, que afronta princípios básicos do devido processo legal. As acusações feitas contra Sandro se fundamentam exclusivamente em prints de tela apresentados pela ex-companheira, sem qualquer perícia técnica, investigação digital ou prova concreta de autoria. Nenhum laudo, rastreamento de IP, ou análise de dispositivos foi realizado.”
“É importante lembrar que a mesma denunciante já registrou outras ocorrências contra Sandro no passado, todas arquivadas ou com resultado absolutório. Em um dos episódios, inclusive, ela registrou um boletim de ocorrência de madrugada, solicitando medidas protetivas, e poucas horas depois voltou atrás, declarando ter agido por impulso, sob efeito de medicação controlada e motivada por ciúmes. Além disso, o conteúdo dos autos apresenta elementos que indicam um possível caso de “sextorsão”, golpe digital comum em que criminosos utilizam dados de vítimas para criar perfis falsos e espalhar conteúdo íntimo. Mesmo assim, nenhuma linha de investigação técnica foi adotada nesse sentido. Diante da flagrante injustiça e da ausência de provas, a defesa já impetrou habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, confiando que a verdade será reconhecida e que a liberdade de Sandro será restabelecida com urgência.”
Adicionar aos favoritos o Link permanente.