
Operação do MP mira esquema de corrupção de mais de R$ 1 bilhão
Artur Gomes da Silva Neto, o auditor fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de SP (Sefaz-SP) que foi preso na terça-feira (12) acusado de participar de um esquema bilionário de desvio de recursos públicos do Fisco de SP, está sendo investigado pelo Ministério Público paulista como o principal líder do esquema criminoso.
Descrito como “gênio do crime” pelo MP, Artur foi apontado pelos integrantes da Sefaz-SP ouvidos pelos promotores como um “funcionário brilhante e inteligentíssimo”.
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Ele está sendo investigado pelas autoridades como um suposto mentor intelectual do esquema, por ter domínio de todos os processos que envolviam a fraude que chegou a cerca de R$ 1 bilhão.
A suspeita de liderança do engenheiro no esquema se deu porque uma das senhas de acesso ao sistema foi encontrada com uma contadora. Não está claro para os investigadores se era Artur quem operava a senha ou se há a participação de outros servidores na fraude.
Mas o entendimento dos promotores paulistas é o de que Artur dominava toda a cadeia de corrupção na pasta.
Até a última atualização desta reportagem, a defesa de Artur não foi localizada para comentar as acusações.
Prédio da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP), no Centro da capital paulista.
Divulgação/Sefaz-SP
De acordo com o promotor Roberto Bodini, chamou a atenção da investigação o fato de que Artur, um único servidor da Fazenda de SP, “domine praticamente todas as etapas do processo” criminoso de isenção e crédito tributário desbaratado pela operação da terça-feira (12).
Segundo o promotor, o auditor preso cursou o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), e ficou em primeiro lugar em sua turma. “O ITA tem um dos processos seletivos mais concorridos do Brasil”, observou.
Na terça, dia da deflagração da Operação Ícaro, o secretário estadual da Fazenda da gestão Tarcísio de Freitas, Samuel Kinoshita, foi à sede do Ministério Público e reuniu-se com promotores que investigam o caso.
A reunião durou cerca de uma hora e a ideia é que haja, daqui para frente, um trabalho conjunto para evitar novas fraudes, com cada órgão operando segundo suas atribuições, isto é, o Ministério Público com a parte criminal e a Secretaria da Fazenda com a adoção de medidas administrativas para fortalecer o seu sistema de controle interno.
Em pesquisas feitas nas redes sociais, o g1 e a GloboNews descobriram que Arthur Gomes chegou a dar palestras para vestibulandos falando sobre como foi aprovado no ITA, no Instituto Militar de Engenharia (IME) e no curso de Medicina na Universidade de São Paulo (USP).
Segundo o servidor divulgou nas palestras, ele se graduou engenheiro aeronáutico pelo ITA sendo o primeiro aluno da sua turma, onde chegou a receber o Prêmio Professor Rene Maria Vandaele, destinado aos alunos do último ano de graduação que apresentam o melhor desempenho nas disciplinas dos Departamentos de Aerodinâmica e de Estruturas.
Na época, Artur Gomes da Silva Neto ganhou da empresa Embraer uma viagem aos Estados Unidos para visitar as principais companhias aeroespaciais e centros de pesquisas, incluindo a Nasa.
Segundo o site de Transparência do governo de São Paulo, o auditor recebeu R$ 33.781,06 de salário na secretaria em junho, prestando serviços na Diretoria de Fiscalização (DIFIS).
Mãe bilionária
O esquema começou a ser desarticulado depois que os promotores descobriram que a mãe de Artur é professora aposentada da rede pública e ficou bilionária em apenas dois anos.
O salto patrimonial de Kimio Mizukami da Silva, de 73 anos, foi justamente o que levou os promotores do Ministério Público do estado de São Paulo a descobrir o esquema organizado por auditores fiscais tributários da Sefaz-SP.
Filho da professora aposentada, Artur Gomes da Silva Neto é auditor da Diretoria de Fiscalização (DIFIS) da Fazenda estadual e apontado pela investigação como o “cérebro” por trás do esquema de ressarcimento de crédito tributário que arrecadou cerca de R$ 1 bilhão em propina desde 2021.
O auditor coletava a documentação necessária da Fast Shop e da Ultrafarma para pedir o ressarcimento de créditos de ICMS na Secretaria da Fazenda. Toda empresa contribuinte varejista tem direito ao ressarcimento, porém o procedimento é complexo e burocrático, segundo os promotores.
Segundo investigação, um auditor fiscal facilitava o processo de ressarcimento de créditos para favorecer empresas em troca de propinas de mais de R$ 1 bilhão.
Arte/g1
Além de acompanhar o processo, o próprio auditor aprovava os pedidos e garantia que não seriam revisados internamente. Em alguns casos, liberavam valores superiores aos que as empresas tinham direito e em prazos mais curtos.
A professora aposentada é sócia da empresa Smart Tax, que era usada para lavar dinheiro do esquema, aponta o MP. Artur participou da fundação da empresa, porém deixou o quadro societário em 2013.
A Smart Tax passou a oferecer serviços de assessoria e auditoria tributária em 2021, quando o esquema de corrupção teve início.
Um dos indícios da lavagem de dinheiro é a “evolução patrimonial absurda” da idosa, segundo os dados da declaração do imposto de renda enviados para a Receita Federal.
Em 2021, o patrimônio da mãe do fiscal era de R$ 411 mil. O valor subiu para R$ 46 milhões no ano seguinte e saltou para R$ 2 bilhões em 2023.
Na declaração de Imposto de Renda, Kimio justificou que o aumento do patrimônio ocorreu em razão da compra de criptomoedas — que teriam sido adquiridas a partir do lucro da Smart Tax.
O promotor João Ricupero explicou, em entrevista coletiva, que a empresa era de fachada e não possuía nenhum funcionário. Segundo ele, a mãe do fiscal também não tinha o conhecimento técnico para atuar nessa área de assessoria tributária.
“A sede da empresa é a casa do fiscal em Ribeirão Pires, onde cumprimos o mandado de busca e apreensão e de prisão. É uma residência, tudo menos uma empresa”, afirmou o promotor Roberto Bodini.
No relatório do MP-SP, que a TV Globo teve acesso, também releva que a mãe do fiscal não participava das reuniões com a Fast Shop mesmo sendo a proprietária oficial da Smart Tax.
“Ficando ainda mais óbvio que, na realidade, é o auditor tributário quem realmente atua em nome da empresa, valendo-se dela para receber o pagamento da propina”, pontua o documento.
O g1 não localizou a defesa de Kimio, investigada por lavagem de dinheiro, até a última atualização desta reportagem.
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Operação
O Ministério Público de São Paulo, com auxílio da polícia, deflagrou nesta terça-feira (12) a Operação Ícaro que visa desarticular um esquema de corrupção bilionário envolvendo auditores fiscais tributários da Secretaria de Estado da Fazenda.
Sidney Oliveira, fundador e dono da Ultrafarma, foi preso em SP
José Patrício/Estadão Conteúdo
Além do auditor Artur Gomes da Silva Neto, outros cinco alvos da operação foram presos:
Sidney OIiveira, dono e fundador da Ultrafarma;
Marcelo de Almeida Gouveia, auditor fiscal;
Mario Otávio Gomes, diretor estatutário do grupo Fast Shop;
Celso Éder Gonzaga de Araújo, dono da casa onde as esmeraldas foram apreendidas;
Tatiane da Conceição Lopes, esposa de Celso, dono da casa em que as esmeraldas foram apreendidas.
Os mandados de buscas e apreensões foram cumpridos nas seguintes cidades: Ribeirão Pires, Barueri, Santana de Parnaíba e Diadema, na Grande São Paulo, Atibaia, Indaiatuba e São José dos Campos, no interior do estado, e na capital paulista.
O esquema teria arrecadado cerca de R$ 1 bilhão em propinas desde maio de 2021. No entanto, as investigações seguem para apurar se começou antes disso.
“As empresas passaram a pagar centenas de milhões de reais para auditores para auxiliarem essas empresas a conseguirem ressarcimento de crédito de ICMS a que tinham direito na Secretaria da Fazenda”, explicou o promotor João Ricupero.
De acordo com o MP, outras grandes empresas do setor varejista podem ter se valido do mesmo esquema para conseguir a liberação dos créditos tributários. No entanto, não foi divulgado o nome de mais nenhuma outra empresa porque as investigações ainda estão em curso.
Segundo os promotores, o auditor coletava as notas fiscais, necessárias para o ressarcimento, fazia ele próprio o pedido de ressarcimento na Secretaria da Fazenda, acompanhava o pedido e, depois, ele mesmo deferia o ressarcimento de créditos.
“Em relação à Ultrafarma, ele tinha, inclusive, o certificado digital da empresa para fazer os pedidos de ressarcimento”, disse Ricupero.
Segundo o promotor Igor Volpato Bedone, esse é o ponto importante: “Ele pedia e deferia o pedido que ele mesmo fazia. Ele ficava com o certificado da empresa. Então, era um ciclo completo”, disse. Em contrapartida, o auditor recebia pagamentos mensais de propina.
Os investigados poderão responder pelos crimes de corrupção ativa e passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Pacote de esmeraldas e de dinheiro apreendidos na operação do MP
Reprodução/TV Globo
O que diz a Secretaria da Fazenda
Abaixo, leia a íntegra da nota da Secretaria da Fazenda:
“A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) está à disposição das autoridades e colaborará com os desdobramentos da investigação do Ministério Público por meio da sua Corregedoria da Fiscalização Tributária (Corfisp).
Enquanto integrante do CIRA-SP – Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos – e diversos grupos especiais de apuração, a Sefaz-SP tem atuado em diversas frentes e operações no combate à sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e ilícitos contra a ordem tributária, em conjunto com os órgãos que deflagraram operação na data de hoje.
Além disso, a Sefaz-SP informa que acaba de instaurar processo administrativo para apurar, com rigor, a conduta do servidor envolvido e que solicitou formalmente ao Ministério Público do Estado de São Paulo o compartilhamento de todas as informações pertinentes ao caso.
A administração fazendária reitera seu compromisso com os valores éticos e justiça fiscal, repudiando qualquer ato ou conduta ilícita, comprometendo-se com a apuração de desvios eventualmente praticados, nos estritos termos da lei, promovendo uma ampla revisão de processos, protocolos e normatização relacionadas ao tema.”