
Cerca de 95 mil brasileiros vivem em Paris, capital da França.
Gao Jing/Xinhua/picture alliance via DW
A vista do prédio na rua Ranelagh em Paris é uma das mais cobiçadas da capital francesa: do alto, vê-se a Torre Eiffel. Um dos moradores do lugar é o brasileiro e estudante de engenharia mecânica Rafael Mouzer. Só que, para desfrutar da paisagem, ele tem de subir oito andares, escalar uma janela e se instalar no telhado do prédio. Na sua casa, um studio de 9m², não há janelas – apenas uma claraboia no teto.
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“Parece que é um calabouço e não uma janela, mas é a única coisa que tem para entrar algum tipo de vento”, explica Mouzer. Ele conta que esse é o menor lugar em que já morou na vida. “Paris é um caos, tentei residências estudantis e não consegui”. No studio, a cama foi instalada no mezanino, e no restante do cômodo se distribuem a cozinha, o guarda-roupa e a mesa de trabalho.
“Tento passar o dia todo fora para aproveitar e chegar aqui só para comer e dormir”, afirma Mouzer. O aluguel custa 650 euros, o equivalente a R$ 4,2 mil.
Assim como Mouzer, 95 mil brasileiros vivem em Paris, segundo levantamento de 2023 do Ministério das Relações Exteriores. Um relatório do perfil dos brasileiros na França, publicado em 2021 por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), mostrou que 29,3% dos brasileiros na França entraram no país com visto de estudante, 13,1% como turistas e 12,4% já tinham cidadania europeia. Em relação à habitação, 59,3% vivem com suas famílias, enquanto 24,1% moram sozinhos.
O estudante Rafael Mouzer mora num apartamento de 9 m².
Mauricio Cancillieri/DW
Muitos enfrentam condições de moradia parecidas com as de Rafael e, sem alternativas mais baratas, acabam se instalando em cubículos. No grupo do Facebook “Caloteiros em Paris”, eles compartilham relatos para alertar conterrâneos de tentativas de golpes na hora de alugar imóvel na capital francesa.
Alguns golpistas anunciam a venda de documentos falsos para compor o dossiê para locação, o conjunto de documentos exigidos para aluguel, sob o pretexto de facilitar a vida dos imigrantes.
“Já recebi diagnóstico que o tamanho do apartamento não era o tamanho anunciado pelo proprietário. E tive que dizer que não poderia alugar ou teria que ajustar o preço para o m² anunciado no diagnóstico, porque eles mentiram”, relata a advogada brasileira Camila Santana.
Ela trabalha como conselheira jurídica na Adil, sigla para Agence Départementale d’Information sur le Logement, em francês. O órgão público oferece orientação gratuita aos cidadãos sobre venda e aluguel de imóveis. Santana diz que a comunidade brasileira fica vulnerável diante da falta de informações sobre as diretrizes do mercado imobiliário.
Para coibir abusos, o governo francês estabeleceu regras sobre o aluguel dos studios: para serem locados, esses imóveis têm de ter pelo menos 9m² de área com um pé direito de 2,2 m de altura, ou 20 m³ de volume. Além disso, o próprio governo pode ser o fiador na locação, assim como empresas especializadas.
Crise habitacional
Os microapartamentos de Paris geralmente estão no último andar dos edifícios construídos entre os séculos 19 e 20.
Thiago Melo/DW
Paris está entre as capitais europeias com os mais altos preços de aluguel: ocupa o 7º lugar no ranking da Statista de 2025 entre os mais caros da União Europeia, com custo de, em média, 1,7 mil euros para apartamentos mobiliados. Enquanto isso, a fila de requerentes de moradia social, destinada a pessoas de baixa renda, já chega a 512 mil, o que representa 69% dos pedidos da Île-de-France.
A escassez habitacional em Paris ocorre por uma combinação de fatores, que vão desde o alto número de moradias vazias cuja ocupação foi barrada por impasses na Justiça, o uso dos imóveis para aluguel de temporada para turistas, sublocações não autorizadas, pouca disponibilidade de terrenos para construção de novas casas e ocupação de bairros tradicionalmente populares por moradores de classes mais abastadas.
“Esses fatores, combinados, tornam o acesso à moradia em Paris cada vez mais difícil, reforçando desigualdades sociais e territoriais que exigem políticas públicas ambiciosas e coordenadas”, explica Santana. “Acho que Paris está superlotada, não tem espaço mais, recomendo às pessoas que estão vindo para cá procurarem algo com metrô, mas que saia do centro”, orienta.
Quartinho virou studio
Com a crescente demanda por moradias e a pouca elasticidade na oferta de novas casas (a densidade demográfica é de 19,8 habitantes/km²), os quartinhos que desde o século 19 até a Segunda Guerra Mundial eram ocupados por empregados de famílias francesas foram convertidos em studios. Após o declínio do serviço doméstico, esses espaços perderam sua função original.
Mesmo com as mudanças, os chamados chambres mantiveram algumas características. O acesso aos quartos situados no último andar dos edifícios era feito por escadas de serviço, adjacentes às propriedades. Até hoje, não há elevador. Além disso, parte deles não tem banheiro – o cômodo é compartilhado no corredor. A ventilação e a iluminação também são comprometidas pela falta de janelas.
O chef de cozinha André Oliveira deixou para trás a casa própria em São Paulo para viver em um studio desse tipo, com menos de 15m². Ele divide o espaço com a esposa, Jéssica, e a filha, Ana Vitória. De dia, no apartamento de um cômodo estão distribuídos um sofá, uma mesa e os armários. À noite, o ambiente se transforma: a mesa e as cadeiras são recolhidas para dar espaço ao sofá que abre e vira cama, e atrás dele a família acomoda o colchão da criança.
“O studio acabou sendo uma opção por estar perto do meu trabalho e por ter uma escola perto para minha filha. Ainda neste ano pretendo me mudar por conta do espaço ser muito pequeno para nós”, afirmou Oliveira.
O casal André e Jéssica Oliveira mora com a filha de 11 anos num estúdio de menos de 15 m².
Mauricio Cancillieri/DW
Santana reforça que morar em Paris pode ser não só um privilégio habitacional, mas também uma vantagem profissional concreta. “Com as greves frequentes no transporte público, engarrafamentos intensos nas vias de acesso à capital e a saturação de várias linhas de metrô, os deslocamentos casa-trabalho são exaustivos. Isso leva muitas empresas com sede em Paris a dar preferência na contratação de candidatos que residem na própria capital”, afirma.
O custo de um sonho
Apesar das condições adversas de morar em cubículos, alugar esses espaços é o jeito que imigrantes brasileiros encontraram de alcançar outros objetivos. “Agora é dar um futuro melhor para minha filha. Sei que aqui ela tem a oportunidade de crescer, ainda mais na escola que ela estuda, ainda mais já aprendendo francês”, explica André Oliveira. Já Mouzer vai concluir a faculdade de engenharia mecânica, além de ter acumulado experiência profissional em empresas internacionais.
“Vejo muitos comentários negativos contra os imigrantes que aceitam essas condições para viver aqui, mas ninguém entende o que é lutar por um sonho sem ter nenhum apoio”, pondera Santana. “Precisamos nos apoiar mais para podermos viver com mais dignidade”, diz.