
Alice Caymmi com o pianista Eduardo Farias na apresentação do show ‘Para minha tia Nana’ no Teatro Ipanema na noite de ontem, 26 de agosto
Rodrigo Goffredo
♫ OPINIÃO
♩ Não costumo rever shows já resenhados aqui nesta coluna musical. Até porque sempre há novos espetáculos chegando à cena e chamando atenção. Mas não resisti ao convite para conferir mais uma vez Para minha tia Nana, show com o qual Alice Caymmi vem rodando o Brasil desde junho com casas cheias e plateias embevecidas com o canto da artista carioca neste tributo à imortal Nana Caymmi (29 de abril de 1941 – 1º de maio de 2025), uma das maiores cantoras do Brasil – e (por que não?) do mundo – de todos os tempos.
E lá fui eu ontem, 26 de agosto, rever o show no Teatro Ipanema. E o fato é que gostei ainda mais de ver e ouvir Alice cantar Nana em apresentação feita dentro da programação do Terças no Ipanema, projeto que – sob a curadoria de Flávia Souza Lima – vem revitalizando a vocação musical deste histórico teatro da cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Amo o clima de cabaré chic da casa Manouche, onde assisti ao show pela primeira vez na apresentação de 20 de junho. Mas amo também, sobre todas as coisas cênicas, a atmosfera e a luz de um teatro.
A propósito, no início do show de ontem, o último dos três feitos por Alice no Teatro Ipanema, a cantora disse ao público que a intenção do tributo é espalhar o “rastro de luz” deixado por Nana no mundo. Sob a luz de Nana, Alice Caymmi tem se elevado e se iluminado ao dar voz a um repertório lapidar que irmana boleros e sambas-canção de tons tristes, às vezes dramáticos.
A apresentação de ontem brindou o público com música nova no roteiro, Tens (Calmaria), parceria de Ivan Lins com Ronaldo Monteiro de Souza lançada por Ivan em 1974 e regravada por Nana, com toda a propriedade, no álbum de 1975 que marcou a retomada da discografia brasileira da artista após dez anos.
Samba-canção lançado há 70 anos pelo patriarca Dorival Caymmi (1914 – 2008), Só louco (1955) já estava no roteiro desde o início, mas, como não tinha sido cantado na apresentação de 20 de junho no Manouche, soou como novidade para mim. Assim como Dora (1945), música já octogenária de Dorival que Nana tomou para si, intérprete geralmente definitiva das canções a que deu voz.
Para minha tia Nana é show de voz e piano que entrou em cena com Alice e o músico Francisco Eiras. No momento, o pianista é Eduardo Farias, músico com o qual a cantora mostrou fina sintonia em cena entre números musicais e falas mordazes.
Sim, perpetuando a tradição da tia até no humor ácido, Alice tempera o drama das canções com o suave veneno de comentários espirituosos, tirando sarro sobretudo de si mesma.
Alice Caymmi não perdeu a pose nem quando caiu. Sim, a cantora tropeçou no vestido – figurino evocativo da passionalidade de uma cantora espanhola de música flamenca – e caiu no palco do Teatro Ipanema após os agradecimentos, antes do bis. Traquinagem da tia Nana lá do além? Vá saber… Mas Alice levantou e deu a volta por cima, saindo ovacionada de cena, honrando o legado e a luz eterna de Nana Caymmi.