Entregador recebeu pedido para suspender pedido após levar tiro do cliente: ‘Estou aqui sangrando e você tentando cancelar?’


Policial penal é preso por atirar em entregador de delivery no Rio
Depois de levar um tiro do policial penal José Rodrigo da Silva Ferrarini, o entregador Valério Júnior recebeu uma mensagem de Vanessa Priscila, esposa do agente, tentando cancelar o pedido.
“Estou aqui no chão sangrando e você tentando cancelar o pedido??”, escreveu Valério no chat do app usado para comunicação entre cliente e entregador.
Vanessa será intimada a depor na 32ª DP (Taquara) que apura o caso e explicar essa situação. O marido, o policial penal José Rodrigo da Silva Ferrarini foi preso no domingo (31).
Tudo o que se sabe sobre o caso
Entregador avisa que está sangrando na portaria
Reprodução
A polícia suspeita que a tentativa de cancelamento foi feita pelo policial penal que utilizava o telefone da esposa para tentar escapar do flagrante.
Discussão por local da entrega
A Polícia Civil do Rio de Janeiro teve acesso às mensagens do telefone do entregador. A conversa começa à 1h48 da manhã. Nela, Valério informa que havia acabado de chegar na portaria do condomínio e que está aguardando para fazer a entrega.
Vanessa escreve para Valério entrar e diz que estará na porta do bloco. Os dois começam a discutir sobre o local da entrega: ele diz que não vai passar da portaria do condomínio, e ela insiste para que o entregador vá até a portaria do bloco onde o casal mora.
“Senhora, eu não vou, eu estou te aguardando aqui (na porta do condomínio)”, disse Valério.
“Cara, eu até desço.. mas você vir até o bloco blz (SIC)”, respondeu Vanessa.
“Senhora, procedimento do iFood. Se a senhora não quiser, eu volto e a senhora recebe seu reembolso, mas ir até aí eu não vou.”
Vanessa responde, à 1h59: “Ninguém fez a gente ir até a portaria”.
Quase meia hora depois, Vanessa volta a escrever e pede o cancelamento:
2h28: “Estou no local e não encontro a pessoa que veio entregar”.
2h29: “Por conta da demora, gostaria de cancelar o pedido”.
Neste momento, segundo a investigação, Valério Júnior já estava baleado. O chamado feito para a Polícia Militar foi às 2h20.
Na resposta rápida, às 2h29, o entregador mostra a surpresa com o pedido: “Como assim? Estou aqui no chão sangrando e você tentando cancelar o pedido?”.
Vanessa mantém sua versão:
“Como assim? Eu não saí de casa pra receber, estou te esperando no bloco”
Policial penal atira no pé de entregador de iFood no Rio
Reprodução
Relembre o caso
A confusão ocorreu na Rua Carlos Palut, no conjunto de prédios conhecidos como Merck — são vizinhos à fábrica.
O entregador Valério Junior chega ao endereço e avisa a Ferrarini para buscar o pedido no portão do condomínio. O agente exige que Valério suba até o apartamento, o que é negado.
O policial penal, então, vai ao encontro de Valério, que passa a gravar a conversa. “Você não subir é uma parada!”, reclamou Ferrarini. Valério começa a relatar a situação no vídeo. “Tá OK. Estou na Merck…”, narra — mas é interrompido por Ferrarini, que atira no pé direito do entregador.
“Então valeu!”, respondeu o policial, enquanto Valério se contorce de dor. “Que isso, cara!?”, questiona o motoboy. “Que isso é o c*ralho”, repete Ferrarini. “Bora, me dá minha parada!”, exige o policial. “Tá me filmando por quê, p*rra!?”, pergunta o agente.
Valério, já com o pé ensanguentado, diz ser vizinho do policial. “Eu moro aqui, cara! Eu sou morador, cara!”, suplica. O entregador então grita por ajuda e parece chamar um porteiro: “Ô, Tião! Me ajuda aqui, Tião! Ele me deu um tiro, Tião! Chega aí, Tião! Sou eu, Valério!”
Ferrarini dá as costas ao baleado e volta para casa.
Valério foi atendido de emergência e liberado com a bala alojada.
Ao RJ2, Valério deu detalhes do caso.
“Ele [Ferrarini] falou que não ia lá, mandou buscar no bloco, e eu falei que não. Disse para me encontrar na portaria”, lembrou.
“Quando ele veio, ele já veio alterado. Falei: ‘Cara, fica tranquilo, fica tranquilo, eu só preciso do código’. Ele falou: ‘Me dá o pedido’!’ Eu falei: ‘Não. Me dá o código, que eu te dou o pedido’. Eu recebia R$ 7 para tomar um tiro no pé”, contou Valério.
Ele não sabe quando poderá voltar a trabalhar porque o projétil ficou alojado. “Vai depender do médico falar se dá para tirar, se continua, se tem sequela ou não. Vou ficar sem trabalhar por isso”, afirmou.
Entregadores se uniram para fazer um protesto na porta do condomínio. Eles se disseram indignados pelo fato de o atirador ter sido ouvido e liberado na delegacia.
“Uma injustiça, a gente só queria o direito de ir e vir e entregar o lanche do cliente em segurança”, afirmou o entregador Breno Pereira.
O que diz o iFood
A empresa reforçou que os entregadores não são obrigados a levar até a porta dos apartamentos e disse que não tolera nenhum tipo de violência contra os entregadores parceiros. Veja a nota na íntegra:
“O iFood não tolera qualquer tipo de violência contra entregadores parceiros e lamenta muito o acontecido com o entregador Valério de Souza Junior. A empresa conta com uma Política de Combate à Discriminação e à Violência para oferecer a todos um ambiente ético, seguro e livre de qualquer forma de violação de direitos. Quando as regras são descumpridas, são aplicadas sanções que podem ir desde advertências até o banimento da plataforma.
O iFood esclarece também que a obrigação do entregador é deixar o pedido no primeiro ponto de contato, seja o portão da casa ou a portaria do prédio. Essa é a recomendação passada aos entregadores e aos consumidores. Em 2024, a empresa lançou no Rio de Janeiro a campanha Bora Descer, que tem o objetivo de incentivar os clientes a irem até a portaria de seus condomínios para receber os pedidos de delivery, como forma de respeito aos entregadores.
O iFood vai disponibilizar ao entregador Valério os serviços da Central de Apoio Jurídico e Psicológico, oferecido em parceria com a organização de advogadas negras Black Sisters in Law, garantindo acesso à justiça e assistência emocional ao parceiro. A empresa está à disposição das autoridades para colaborar no que for necessário.
Esperamos que o caso não fique impune e que Valério Junior se recupere rapidamente.”
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