Minha Casa, Minha Vida: compra de usados dispara e preocupa setor de construção; entenda


Em 2024, programa habitacional atingiu maior número de contratos para imóveis usados na história. Embora modalidade amplie opções a compradores, construtoras defendem que regras priorizem projetos novos — para manter o setor aquecido. Minha Casa, Minha Vida: veja novas regras
O programa habitacional Minha Casa, Minha Vida (MCMV) se tornou o principal motor do mercado imobiliário brasileiro e o grande responsável por impulsionar projetos de moradia no setor de construção civil.
Números recentes escancaram a importância dos financiamentos pelo MCMV para a atividade. No primeiro trimestre deste ano, praticamente metade dos empreendimentos lançados e de venda de imóveis novos contaram com os incentivos do programa.
Essa dependência, no entanto, acende um alerta no setor de construção civil — especialmente diante do aumento nos financiamentos de imóveis usados dentro do MCMV. Em geral, construtoras defendem regras que priorizem os novos, com o intuito de aquecer o setor. (entenda abaixo)
Dados do Ministério das Cidades compilados por Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos de Construção do FGV Ibre, mostram que o ano de 2024 teve o maior número de contratos para imóveis usados na história do programa.
No ano, foram contratadas um total de 583 mil unidades, sendo 427,9 mil novas e 155,1 mil usadas. Os dados revelam que esses imóveis chegaram a uma parcela de 27% do total de financiamentos — também uma proporção recorde na modalidade.
Contratações no Minha Casa, Minha Vida
Arte/g1
Formalmente, é possível utilizar os juros mais atrativos do Minha Casa, Minha Vida para adquirir casa ou apartamento usado desde fevereiro de 2023.
Os dados acima consideram contratos feitos com base em recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) — principal fonte do MCMV. Portanto, compõem o histórico do programa desde 2011, conforme disponibilização de números pelo Ministério das Cidades.
“O forte aumento na contratação de usados entre 2023 e 2024 levou a uma pressão pelo setor de construção”, diz Ana Maria Castelo, do FGV Ibre. “Com isso, o governo fez alterações olhando, principalmente, para a faixa 3 do programa.”
Ela se refere à publicação de uma instrução normativa pelo governo federal, em agosto de 2024, com alterações nas condições de financiamento de imóveis usados com recursos do FGTS.
O texto estabeleceu uma redução no valor máximo permitido para financiamento de imóveis usados na faixa 3, de R$ 350 mil para os atuais R$ 270 mil. Além disso, exigiu um valor de entrada maior de compradores. (leia mais abaixo)
Ana Maria lembra que um dos principais argumentos das construtoras contra os usados é de que imóveis novos impulsionam a atividade econômica e geram empregos, fomentando também o FGTS. A pressão do setor, acrescenta ela, vem justamente em meio ao “cobertor curto” do fundo, cujo recurso é “escasso e disputado”.
As mudanças, portanto, foram no sentido de diminuir os valores dos imóveis usados e aumentar o percentual de entrada que a pessoa precisa pagar”, diz.
Procurada pelo g1, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) diz que compreende que os usados são uma alternativa válida em locais com carência de oferta de novos empreendimentos ou onde a capacidade instalada da construção civil ainda é limitada.
Afirma, no entanto, que a prioridade estrutural do MCMV deve permanecer na produção de moradias novas, responsáveis por “ativar diretamente a cadeia produtiva da construção civil”, com mão de obra “essencial para a retroalimentação do FGTS”.
“Já a aquisição de imóveis usados, embora relevante em determinados nichos, não gera postos de trabalho diretos, nem contribui para a sustentabilidade do fundo”, argumenta.
Unidades habitacionais do Residencial Parque da Lagoa, do Minha Casa, Minha Vida, em Maceió (AL).
Ricardo Stuckert/PR
Veja as regras em vigor
O comprador deve atender a determinados critérios para se qualificar ao financiamento. Nesse sentido, uma norma publicada pelo governo em 2024 limitou o acesso de parte da classe média à compra de imóveis usados por meio do programa.
Alterações recentes, porém, voltaram a dar certo fôlego ao mercado de usados dentro do MCMV.
Em 5 de maio, o governo criou a faixa 4, com possibilidade de compra de usados para famílias com salários até R$ 12 mil.
Além disso, facilitou o acesso para a faixa 3 do programa. (entenda abaixo)
Para financiar imóveis usados no programa habitacional, a Caixa Econômica Federal — responsável pela operação do MCMV — segue o mesmo modelo de faixas de renda aplicado aos imóveis novos. Há, no entanto, algumas diferenças.
Veja quais são as principais normas em vigor:
Raio-x do programa Minha Casa, Minha Vida para imóveis usados
Arte/g1
Conforme as normas do programa, são consideradas casas ou apartamentos novos aqueles com o documento “habite-se” (expedido pela prefeitura local) de até 180 dias. Após esse prazo, portanto, o imóvel é considerado usado.
As exigências para ter acesso ao financiamento de imóveis usados são as mesmas aplicadas aos imóveis novos, segundo a Caixa.
Entre os critérios, estão:
Não possuir outro imóvel no município onde deseja comprar;
Não ter sido beneficiado anteriormente por programas habitacionais;
Comprovar renda dentro dos limites estabelecidos;
e ter capacidade de pagamento.
Taxas mais baixas
O MCMV oferece subsídios e juros que variam de 4% a 8,16% ao ano nas três primeiras faixas do programa, a depender da região do país. Em maio deste ano, também foi criada a faixa 4, com juros a 10% para pessoas com salários de até R$ 12 mil.
Ao oferecer taxas mais baixas do que as praticadas pelo mercado, o programa habitacional se tornou uma importante alternativa em meio ao encarecimento do crédito, conforme já mostrou o g1.
Hoje, o financiamento imobiliário tradicional está em torno de 12%. O custo é puxado pela Selic, a taxa básica de juros do país, atualmente em 15% ao ano — maior patamar em 20 anos — e sem previsão de queda.
Mudanças em 2025
As restrições de 2024, porém, foram suavizadas neste ano. Apesar de o valor limite para a compra de usados seguir abaixo dos novos — o que, na prática, reduz opções a esse público —, as novas regras diminuíram o valor mínimo necessário para a entrada do imóvel para a faixa 3, que passaram:
de 50% para 35% nas regiões Sul e Sudeste;
e de 30% para 20% nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Veja exemplos, tomando como base um imóvel de R$ 270 mil (limite para os usados):
Regiões Sul e Sudeste:
ANTES, era exigida uma entrada de, ao menos, R$ 135 mil (50% do valor do imóvel).
AGORA, é exigida uma entrada de, ao menos, R$ 94,5 mil (35% do valor do imóvel).
Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste:
ANTES, era exigida uma entrada de, ao menos, R$ 81 mil (30% do valor do imóvel).
AGORA, é exigida uma entrada de, ao menos, R$ 54 mil (20% do valor do imóvel).
Para o presidente da Associação Brasileira do Mercado Imobiliário (ABMI), Alfredo Freitas, as mudanças vão dar “algum impulso” ao mercado de usados.
“Não é uma mudança tão expressiva, mas toda melhoria no mercado de crédito é vista com bons olhos”, diz. “É complexo para o comprador equacionar a questão da renda, prestações e valor de entrada a ser pago. (…) De qualquer maneira, já é um sinal de alento.”
As outras faixas não tiveram alterações. Segundo a Caixa, a principal diferença entre usados e novos está justamente na faixa 3, que tem o valor máximo do imóvel mais baixo.
“Para as demais faixas, os critérios de valor de imóvel seguem os mesmos parâmetros, com variações conforme o município. Já os valores de cota de financiamento de imóveis usados variam”, informou o banco.
Otimismo do setor
De maneira geral, o mercado recebeu com ânimo as novidades no programa. A CBIC disse estar otimista de que o setor imobiliário irá se manter em um “patamar elevado ao longo de 2025, especialmente com a consolidação da faixa 4” do programa.
O ânimo vem mesmo diante da retração de 5,5% na oferta geral de imóveis no primeiro trimestre deste ano em comparação com os três últimos meses de 2024. Segundo a CBIC, o dado reflete uma combinação entre aumento nas vendas e redução no ritmo de lançamentos fora do MCMV.
“Mesmo assim, o setor opera com estoque equilibrado, suficiente para atender à demanda pelos próximos oito meses, caso não haja novos lançamentos”, diz o vice-presidente de Indústria Imobiliária da CBIC e presidente da Comissão de Indústria Imobiliária da entidade, Ely Wertheim.
Alfredo Freitas, da ABMI, reconhece que as restrições para a faixa 3 no ano passado dificultaram o acesso a usados por uma parcela da classe média da população.
Ele reforça, por outro lado, que o mercado está “muito otimista” com as novas mudanças no programa, especialmente com a criação da faixa 4, para famílias com renda de até R$ 12 mil.
“Os juros a 10% para imóveis de até R$ 500 mil criaram boas perspectivas para o mercado, que está vendo a medida como muito importante”, diz, ao reforçar que as taxas praticadas pelo mercado já chegam a superar os 12%.
“O efeito multiplicador que representa a ingestão de recursos na economia também deve gerar mais atratividade para os imóveis usados”, conclui.
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