Mãe e filha constroem casa com garrafas de vidro recolhidas do lixo e criam espaço de ecoturismo em Itamaracá: ‘Uma obra de arte’


Batizado de ‘Casa de Sal’, imóvel sustentável na Praia do Sossego foi construído com ajuda da comunidade e recebe turistas interessados em fazer uma ‘ecovivência’ no local. Mãe e filha constroem casa sustentável com garrafas de vidro em Itamaracá
Na bucólica Praia do Sossego, na Ilha de Itamaracá, no Grande Recife, duas mulheres negras mostraram como as toneladas de resíduos que a gente descarta todo dia são muito mais valiosas do que se imagina. A educadora socioambiental Edna Dantas e sua filha, a produtora de moda Maria Gabrielly, construíram uma casa de sete cômodos com oito mil garrafas de vidro recolhidas do lixo.
Batizado de “Casa de Sal” em referência ao mar e à areia da qual é feito o vidro, o imóvel de 70 metros quadrados, que conta com fossa biodegradável para irrigação e telhas de material reutilizado, não só serve de moradia para a família como se tornou um espaço de ecoturismo (veja vídeo acima).
“É uma obra de arte. É, para mim, o meu momento de artista, cada pedacinho dela você encontrou de uma forma e de outra”, declarou Edna Dantas ao g1.
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A obra, realizada com a ajuda da comunidade, começou no dia 1º de maio de 2020 e levou um ano e meio para ser concluída. Filha de pernambucanos que migraram para o Paraná entre as décadas de 1960 e 1970 para trabalhar em lavouras e madeireiras, Edna, que passou a maior parte da vida em Curitiba, decidiu se mudar para Pernambuco, onde tem família, em dezembro de 2018.
Após passar um tempo com parentes em Igarassu, na Região Metropolitana, a educadora socioambiental, que tem formação em gestão pública, se estabeleceu em Itamaracá em janeiro de 2019. No começo, ela alugou uma casa na Enseada dos Golfinhos, praia vizinha à do Sossego.
Ao verem a quantidade de lixo despejado nas áreas de mangue próximo à beira-mar, Edna e Gabrielly mobilizaram um grupo de 30 pessoas da vizinhança para recolher os resíduos e criar um jardim comunitário com material reciclado. Foi aí que a educadora teve a ideia de construir a “Casa de Sal”.
“Comecei a identificar muitos descarte de garrafa de vidro, mas muito, muito mesmo. E daí nesse nessa tarefa que a gente estava realizando, como eu sou uma pessoa que tem essa prática de reutilizar resíduos, sentei com a Gabrielly, conversei com ela e falei: ‘olha, a gente tem que começar a recolher essas garrafas de vidro e construir nossa casa'”, disse.
Segundo Edna, o conhecimento sobre construção e uso de resíduos reutilizados vem de família. “Tenho lembranças muito fortes do meu pai […] de ele ensinando a gente, tipo pegando madeira, tirando prego, batendo no prego para deixar ele retinho de volta, desentortando, e reutilizando esses resíduos”, recordou.
Assim, com essa bagagem, o projeto da casa, idealizado por Edna, partiu de referências buscadas na ancestralidade.
“Quando a minha mãe chegou com essa ideia, eu abracei, porque achei muito incrível. Enquanto designer, a referência que eu tinha de construções ecológicas são africanas. Para além da nossa taipa, para além daquilo que a gente já conhece enquanto história nacional. Minha avó nasceu dentro de uma casa de barro. […] Minha mãe foi ‘mestre de obras’ da minha avó”, contou Maria Gabrielly.
‘Casa de Sal’: residência na Ilha de Itamaracá foi construída com garrafas de vidro no lugar de tijolos
Acervo pessoal
Casa de garrafa
Posicionadas verticalmente nas paredes, as garrafas entraram no lugar de tijolos, dando uma estética diferente à casa, construída sob bases convencionais, com madeira e cimento. Entre as vantagens do uso desse novo material de construção, está o custo, segundo a educadora socioambiental.
“Dentro da cadeia da reciclagem, o vidro é um dos resíduos mais baratos dentro da cadeia. E além de ser mais barato, é muito pesado. Em muitos lugares, onde existe a coleta de catadores de rua, é um dos resíduos que eles não levam. Porque eles teriam que carregar muito peso e o valor é muito baixo. A garrafa PET vale mais do que a garrafa de vidro porque é um material mais leve”, explicou.
Outro ponto positivo, de acordo com ela, é o controle da temperatura. “O vidro é térmico, tanto para territórios frios, quanto para territórios quentes. O vidro controla a temperatura. E a nossa casa é parede dupla. Ela não é uma parede só de garrafa. Ela é uma parede para dentro e outra para fora, formando um bloco com uma garrafa de um lado do outro”, detalhou.
De acordo com Gabrielly, ela e a mãe foram responsáveis por grande parte da obra, mas as duas também contaram com a ajuda dos vizinhos.
“Começamos, né, limpando o terreno, limpando aonde a gente ia se movimentar […]. A gente teve um processo primeiro de fazer os pés de apoio, a parte do madeiramento. E aí, de fato, dos primeiros 17 metros quadrados, 90% foi a gente que construiu. O piso e o telhado foi em processo de mutirão com duas famílias amigas da gente”, informou a produtora de moda.
Edna Dantas idealizou e construiu casa feita com oito mil garrafas de vidro em Itamaracá, no Grande Recife
Acervo pessoal
Residência ecológica
Mas não são apenas as garrafas de vidro nas paredes que fazem a “Casa de Sal” ser sustentável do ponto de vista ambiental. Com telhado feito de material reutilizado e situada numa área sem acesso à rede de esgoto, a residência possui uma fossa biodegradável, que filtra os dejetos para adubação.
“A fossa do nosso banheiro é um estudo da minha mãe. É um filtro em que ela [a fossa] sai com essa água para fazer irrigação, uma água que serve para a compostagem. E aí agora a gente está com esse projeto novo, que é a nossa horta. […] A gente tem um compromisso também com aquela terra ali que a gente está utilizando nesse tempo, né, porque estamos aí em frente, cuidando dela. É toda uma tecnologia própria”, afirmou Maria Gabrielly.
Com esses atributos, em harmonia com o ambiente que a cerca, a “Casa de Sal” também virou uma atração turística, recebendo viajantes interessados em ter uma vivência mais próxima da natureza e da comunidade. Para isso, a mãe e a filha disponibilizam um quarto do imóvel para hospedagem pelo Airbnb. A diária no local custa em torno de R$ 168.
“A gente faz o que a gente chama de ‘ecovivência’. A gente recebe grupos para ‘ecovivenciar’ Itamaracá. […] A gente promove esse encontro da pessoa com o território, tanto com a parte da natureza quanto com as pessoas, porque a gente tem grandes pessoas ali que fazem coisas muito interessantes. Nós temos os restaurantes de cozinha tradicional, gastronomia local, a gente tem artesãos, tem a vivência no mangue, as marisqueiras, os currais. É para trazer também esse olhar de vivenciar o território para além de um turismo convencional”, disse Gabrielly.
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