Cida Moreira e Rodrigo Vellozo expiam dores no canto dramático de álbum que deriva do show ‘Com o coração na boca’


Capa do álbum ‘Com o coração na boca’, de Cida Moreira e Rodrigo Vellozo
Murilo Alvesso
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: Com o coração na boca
Artistas: Cida Moreira e Rodrigo Vellozo
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ Show calcado na fricção de música com teatro e estreado por Cida Moreira e Rodrigo Vellozo em São Paulo (SP) em abril de 2024, Com o coração na boca vira disco na próxima quinta-feira, 24 de julho, mais de um ano após a chegada à cena. Gravado em estúdio como desdobramento do show feito sob direção artística de Murilo Alvesso, o álbum Com o coração na boca consegue captar a atmosfera teatral do show ao longo de oito músicas.
O repertório do álbum é composto por seis duetos e dois solos, um para cada intérprete. Trata-se de um recorte do show, cujo roteiro integral alinha vinte e poucas músicas, além de récitas de letras de canções e também de texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898 – 1956), cujo cancioneiro é recorrente na trajetória de Cida Moreira, cantora e atriz paulistana que personifica a dama do cabaré na música brasileira.
No disco de vozes e pianos, a música-título Com o coração na boca (Romulo Fróes e Rodrigo Vellozo, 2024) traduz o clima de cabaré em que se ambienta o show, cuja teatralidade é explicitada logo na abertura do álbum, Meu cavalo tá pesado (2002), grito de guerra do Teatro Oficina, brado que alimenta o fogo sagrado que envolvia o encenador José Celso Martinez Corrêa (1937 – 2023), o imortal e mítico Zé Celso.
Apresentado como um dos temas da trilha sonora da peça Os sertões (2022), encenada pelo Oficina há 23 anos, Meu cavalo tá pesado funciona no disco Com o coração na boca com carta de intenções de Cida e Rodrigo, artistas que ardem no fogo do teatro e da música que provoca sensações e atritos inesperados.
No disco e no palco, Cida Moreira – senhora intérprete do Brasil – também atua como avalista da arte de Rodrigo Vellozo, cantor, compositor, pianista e ator que, a despeito de alguns descolados discos feitos com Romulo Fróes, permanece identificado sobretudo com o pai, Benito Di Paula, bamba do samba pianeiro da década de 1970.
Do cancioneiro de Benito, Cida realça a mágoa destilada nos versos do samba Do jeito que a vida quer (1976) em gravação de dramaticidade sublinhada pelo toque do piano de Rodrigo Vellozo, cuja voz também é ouvida na faixa a partir de segunda metade do fonograma.
É natural que, na transposição do palco para o estúdio, o show Com coração na boca perca um pouco de calor. Contudo, justiça seja feita, o álbum soa quente, até nos momentos menos incandescentes, como o forte canto de Ainda é tempo pra ser feliz (Arlindo Cruz, Sombra, Sombrinha, 1998), samba que ressurge como samba-canção em gravação que evidencia a beleza melódica da composição lançada em disco em outro dueto, o de Zeca Pagodinho com Beth Carvalho (1946 – 2019), há 27 anos.
Em solo feito no mesmo clima, Cida Moreira expõe a melancolia resignada que move Desejo de amar (Gabu e Marinheiro, 1991), samba dolente que fez sucesso na voz da cantora Eliana de Lima no início da era do pagode da década de 1990.
No mesmo tom dramático, mas com dose maior de desalento, Rodrigo Vellozo sola Velocidade da luz (Tundy, 2006), grande samba do repertório do Grupo Revelação cuja letra é interpretada por muitos como uma carta de despedida (leia-se suicídio) endereçada ao ser amado.
A sombra da morte também anuvia Clareza (Rodrigo Campos, 2018), samba transformado em canção no tempo da delicadeza lírica, evidente nos cantos suaves (mas sempre intensos) dos intérpretes.
Coerente com esse clima apocalíptico do repertório, o canto final de Babylon (2000) expressa certo hedonismo niilista – ao longo dos seis minutos que redimensionam e elevam a canção de Zeca Baleiro – no convite dos intérpretes para fuga que os livre da dor entranhada (com um facho tênue de esperança) no universo do cancioneiro do show desmembrado no vigoroso álbum Com coração da boca.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.