Brasil tem 2ª maior reserva de terras raras do mundo, mas ainda engatinha na exploração; veja os entraves

O Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras do mundo, atrás apenas da China. É uma riqueza estratégica, com potencial de impulsionar a transição energética e a indústria de alta tecnologia — e que, não por acaso, despertou o interesse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Mesmo com essa vantagem geológica, o Brasil ainda está longe de explorar plenamente seu potencial. Boa parte das terras raras extraídas no país continua sendo exportada em estado bruto, sem processamento ou agregação de valor.
Enquanto isso, a China domina o refino dos minerais e os EUA pressionam por acesso a fontes alternativas, mirando o subsolo brasileiro.
O alerta mais recente veio na última semana, quando o encarregado de negócios da embaixada americana, Gabriel Escobar, reafirmou em reunião com empresários o interesse direto do governo Trump nos minerais críticos e estratégicos brasileiros — como as terras raras, o lítio, o nióbio e o cobre.
O recado foi interpretado como mais uma peça no tabuleiro da tensão geopolítica, acirrada após o anúncio do tarifaço de 50% contra produtos brasileiros, que entra em vigor em 1º de agosto.
O que são terras raras?
As terras raras formam um grupo de 17 elementos químicos encontrados na natureza, geralmente misturados a outros minérios e de difícil extração. Apesar do nome, não são necessariamente raros — mas são difíceis de isolar em alta pureza, o que torna o processo caro e complexo.
Esses minérios são indispensáveis para a produção, por exemplo, de:
Turbinas eólicas
Motores de carros elétricos
Chips de computadores e celulares
Equipamentos médicos de ponta
Satélites, foguetes e mísseis
Dispositivos eletrônicos de última geração
Por isso, estão no centro da economia do século 21 — e também de disputas geopolíticas cada vez mais acirradas.
Brasil tem o subsolo, mas ainda não tem a indústria
Segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos, o Brasil possui cerca de 21 milhões de toneladas de terras raras — o que o coloca como o 2º maior detentor global, atrás apenas da China, que além de ter reservas, domina a tecnologia de beneficiamento e refino.
“A China tomou uma decisão estratégica há décadas: dominar toda a cadeia produtiva das terras raras. É isso que falta ao Brasil”, diz Fernando Landgraf, professor da Escola Politécnica da USP.
Hoje, o Brasil exporta principalmente matéria-prima bruta. Sem tecnologia de refino instalada em escala industrial, o país perde valor ao longo da cadeia e se mantém como fornecedor periférico, mesmo diante da crescente demanda global.
‘Janela de oportunidade’
O Ministério de Minas e Energia reconhece o desafio, mas vê uma chance histórica. Em nota ao g1, a pasta afirmou que o Brasil tem “uma janela de oportunidade para desenvolver uma robusta indústria de processamento de terras raras”, aproveitando energia limpa e competitiva, estabilidade territorial e conhecimento acumulado.
Uallace Moreira, secretário de Desenvolvimento Industrial do Ministério do Desenvolvimento, também aponta os obstáculos:
“É melhor produzir o processado, claro. Mas há desafios tecnológicos, de escala de produção e de competitividade.”
O que o Brasil está fazendo
O governo federal e entidades do setor mineral têm articulado iniciativas para desenvolver tecnologia nacional, atrair investimentos e montar uma cadeia produtiva no país. Veja algumas delas:
🔬 Projeto MagBras, liderado pelo SENAI, para desenvolver uma cadeia nacional de produção de ímãs permanentes de neodímio-ferro-boro (NdFeB), com uso em carros elétricos e energia limpa;
💰 Fundo de R$ 1 bilhão para financiar projetos de pesquisa mineral, com foco em empresas juniores;
📜 Debêntures incentivadas, autorizadas por decreto de 2023, para projetos de minerais estratégicos;
💵 Chamada pública de R$ 5 bilhões, lançada por BNDES, FINEP e MME, para apoiar a industrialização mineral e implantar plantas industriais no país;
🗺️ Mapeamentos em andamento pelo Serviço Geológico Brasileiro (SGB), que incluem áreas como a Bacia do Parnaíba, no Piauí, e rejeitos de mineração com potencial para reaproveitamento.
Corrida global pelos minérios
O interesse dos Estados Unidos nos minerais brasileiros não ocorre em um vácuo. Desde abril, o governo Trump vem reestruturando acordos comerciais estratégicos, como a parceria firmada com a Ucrânia para explorar terras raras em regiões afetadas pela guerra, e o recente acordo comercial com a China, que liberou temporariamente a exportação de minérios raros e ímãs permanentes.
Segundo o Wall Street Journal, a liberação negociada com os chineses vale por apenas seis meses — o que reforça o movimento americano de diversificar fornecedores, com o Brasil no radar.
“A China está usando os minerais como ativo geopolítico para barganha. O Brasil precisa ter a mesma inteligência estratégica”, diz Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra (ESG).
Oportunidade ou repetição do erro?
Além das terras raras, o Brasil tem grandes reservas de lítio, grafite, nióbio, cobre, manganês, urânio e cobalto — todos estratégicos para a transição energética e o avanço tecnológico global.
Se conseguir integrar ciência, indústria, diplomacia e investimento, o país pode deixar de ser apenas um exportador de commodities para se tornar um protagonista da nova economia global.
Caso contrário, a abundância seguirá o destino de sempre: ser extraída aqui, processada lá fora — e importada de volta, com valor multiplicado.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.