
Edição de 2024 da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei) em São Paulo.
Reprodução/Instagram/Flipei
O cancelamento em cima da hora da chamada Flipei – uma feira de livros de editoras independentes de São Paulo – na Praça das Artes, no Centro da capital paulista, pode render uma multa milionária para a Fundação Theatro Municipal de São Paulo, da Prefeitura de São Paulo. O motivo alegado é que o evento atrapalharia a retomada das aulas no local.
👉 A Flipei nasceu em 2019 como contraponto à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), evento literário que acontece todos os anos no Rio de Janeiro.
O evento em São Paulo estava marcado para começar na quarta-feira (6) e iria até domingo (10). No entanto, na sexta-feira (1°), foi cancelado pelo diretor-geral da fundação, Abraão Mafra de Oliveira Lopes.
A festa deste ano teria debates e apresentações culturais com artistas, escritores e jornalistas como Rincon Sapiência, Dead Fish, Leci Brandão, Jones Manoel, Breno Altman, Milly Lacombe, Jamil Chade e Ricardo Antunes.
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Nas redes sociais, a Flipei diz que o evento foi cancelado por censura por parte da prefeitura, uma vez que o evento traria vários debates de esquerda e sobre a guerra entre Israel e o Hammas, que tem feito milhares de vítimas palestinas na Faixa de Gaza.
O g1 procurou a Fundação, a Secretaria Municipal de Cultura e a Fundação, mas não havia obtido retorno até a última atualização desta reportagem. (Leia mais abaixo.)
A Praça das Artes é um espaço de responsabilidade da Fundação Theatro Municipal, mas é administrado pela organização social Sustenidos desde 2021.
A direção da entidade Sustenidos rechaçou a alegação de que a Flipei “‘possui conteúdo e finalidade de cunho político ideológico”.
Previsão de multa
Praça das Artes, na Avenida São Paulo, é uma área de eventos e música de propriedade da Fundação Theatro Municipal de São Paulo.
Divulgação/PMSP
Para cancelar a feira, o Theatro Municipal alegou em ofício que a Praça das Artes é um espaço de aulas de música e que uma feira de livros com 12 horas de funcionamento por dia atrapalharia a retomada das aulas, a partir desta segunda-feira (4).
A organização social que gere a praça enviou ofício à Fundação no sábado (2) informando que não seria possível cancelar o evento com menos de 15 dias de antecedência em razão da previsão de uma multa contratual que deveria ser paga à empresa organizadora do evento para cobrir os custos.
Em um ofício enviado à Sustenidos, a produtora Cais Produção Cultural, responsável pela montagem do evento, afirmou que seus gastos já superam R$ 1,2 milhão.
Além disso, afirmou ainda que vai ingressar com um pedido de liminar de urgência na Justiça de São Paulo para garantir a realização do evento, uma vez que já tem mais de R$ 700 mil em contratos firmados com parceiros para a realização do evento.
“A decisão comunicada pela Fundação Theatro Municipal em 1º de agosto, tentando cancelar a realização da FLIPEI 2025 na Praça das Artes, é ilegal, abusiva e frontalmente contrária ao Termo de Parceria assinado em março deste ano. O contrato é irretratável e irrevogável e só pode ser alterado por instrumento assinado por ambas as partes”, disse o produtor José Renato Fonseca de Almeida em ofício enviado à Fundação do Theatro Municipal.
Segundo a produtora Cais, a feira já tinha mais de 100 trabalhadores contratados, ao custo de R$ 300 mil, 180 editoras confirmadas com investimentos de R$ 100 mil e contratos de R$ 300 mil firmados com fornecedores responsáveis pelos estandes.
“Se a revogação for mantida, a Fundação, a Sustenidos e os gestores envolvidos serão responsabilizados pessoal e institucionalmente. Estamos prontos para ajuizar pedido de tutela de urgência já na segunda-feira para suspender esse ofício e garantir a realização do evento. Paralelamente, daremos entrada em ação de indenização por perdas e danos, cujo valor poderá facilmente superar meio milhão de reais, incluindo danos materiais e morais”, disse o produtor José Renato Fonseca.
Carta da produtora Cais Produção Cultural, responsável pela montagem da Flipei, evento que foi cancelado na Praça das Artes, no Centro de SP.
Reprodução
O que diz a organização social
A organização social Sustenidos – que assinou o contrato com a produtora e, em última análise é responsável por pagar a multa de R$ 1,2 milhão – afirmou em ofício à gestão municipal que “as justificativas apresentadas pela FTM [para cancelar o evento] não se mostram sustentáveis, já que as atividades da feira não impediriam a realização das aulas da EMM e da EDASP” na Praça das Artes.
A diretora da Sustenidos também afirmou que “a alegação de que a FLIPEI ‘possui conteúdo e finalidade de cunho político ideológico, o que contraria os princípios de impessoalidade que regem a administração pública’, não resta comprovada, e tampouco ensejaria seu cancelamento”.
“Impedir a sua realização poderia ser compreendido como uma tentativa de coibir a liberdade de expressão garantida na Constituição Federal. Nesse sentido, é importante destacar que o Theatro Municipal de São Paulo sempre realizou diversas atividades que podem ser consideradas representativas de diferentes espectros políticos, a fim de garantir a expressão de diversos pontos de vista, nos termos assegurados pela Constituição Pátria”, escreveu a diretora Alessandra da Costa.
Carta enviada pela organização social que gere a Praça das Artes para a Fundação Theatro Municipal de SP sobre cancelamento do evento.
Reprodução
“Além dos fatos apresentados acima, não podemos deixar de mencionar os inevitáveis danos reputacionais à Sustenidos, à FTM, a PMSP e à Secretaria de Estado da Cultura e Indústria Criativas, que financia a atividade por meio do PROAC Cult SP. Por todo o exposto, não encontramos forma jurídica de descumprir o contrato, não sendo possível, portanto, prosseguir com o cancelamento da atividade”, declarou a Sustenidos em carta à Fundação Theatro Municipal.
O g1 procurou a Fundação e a Secretaria Municipal de Cultura para comentarem o assunto, mas não havia obtido retorno até a última atualização desta reportagem.
O que é a Flipei?
Flipei anuncia atrações de 2025, em festa literária que aconteceria na Praça das Artes, no Centro de SP.
Reprodução
A Flipei é uma feira de editoras independentes de livros, que se apresenta como alternativa à Flip, que recebe autores das grandes editoras de livros do país.
Em 2024, entretanto, a Flipei mudou-se para a capital paulista, após seis edições em Paraty. A 1ª edição em SP aconteceu na Central 1926, na Praça da Bandeira, no Centro, e neste ano planejava ter sua maior edição.
A ideia era reunir 220 editoras inscritas e mais de 180 empresas independentes participantes.
Os organizadores planejavam mais de 40 debates nacionais e internacionais, shows, bailes, acessibilidade e atividades para crianças.
Se o cancelamento do evento na Praça das Artes foi confirmado pela gestão Ricardo Nunes (MDB), a organização do evento diz que a feira vai mudar para “espaços de resistência em São Paulo”, mas ainda não definiu que lugares serão esses e as novas datas.