
Tarifaço: Lula conversa com primeiro-ministro da Índia, país também taxado em 50%
Mesmo como o país que mais sofre sanções no mundo, a Rússia continua a usar sua vasta riqueza energética para pagar os custos da guerra na Ucrânia. Mas o presidente americano, Donald Trump, pretende mudar esta situação.
Trump anunciou que novas tarifas de importação secundárias vão atingir todos os países que ainda fazem negócios com a Rússia, caso não houvesse um cessar-fogo na Ucrânia até sexta-feira, 8 de agosto.
Na quarta (6), a Índia foi o primeiro país a ser punido pelos Estados Unidos, por comprar petróleo russo. E outras tarifas secundárias poderão fazer com que os produtos de qualquer país que faça negócios com a Rússia enfrentem 100% de imposto de importação nos Estados Unidos.
O petróleo e o gás são os maiores produtos de exportação da Rússia e os grandes clientes de Moscou incluem a China, Índia e Turquia, além do Brasil. Em visita a Moscou em maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva informou que 70% do óleo diesel importado pelo Brasil vem da Rússia.
‘Usei o comércio para muitas coisas, mas ele é ótimo para resolver guerras’, segundo o presidente americano, Donald Trump
Getty Images
“Usei o comércio para muitas coisas, mas ele é ótimo para resolver guerras”, declarou o presidente americano, em julho.
Estas não seriam as primeiras tarifas de importação secundárias impostas pelo governo Trump.
A medida já foi adotada para punir os importadores de petróleo venezuelano. Mas seu uso contra a Rússia teria consequências muito maiores para a economia global.
A Rússia segue como o terceiro maior produtor de petróleo do mundo, atrás apenas da Arábia Saudita e dos próprios Estados Unidos. Mas as exportações do país caíram este ano, segundo dados de transporte marítimo analisados pela agência de notícias Bloomberg.
A vasta indústria energética da Rússia ajuda a pagar as contas da invasão da Ucrânia
Bloomberg via Getty Images
Aumento dos preços da energia
“O principal impacto das tarifas secundárias a compradores de combustíveis russos para a economia global seria sobre os preços da energia”, explica Kieran Tompkins, da empresa de consultoria Capital Economics.
Se as tarifas funcionarem, elas vão interromper o fluxo de petróleo e gás russo para os mercados globais. E, com menos oferta, os preços poderão subir, como aconteceu quando a Rússia lançou sua invasão em larga escala da Ucrânia, em 2022.
A guerra causou um pico inflacionário em todo o mundo. Mas Trump diz que não está preocupado com isso, devido ao recorde de produção de petróleo atingido pelos Estados Unidos.
Tompkins destaca que, desta vez, existem outras razões indicando que o impacto sobre os preços não será tão marcante quanto há três anos.
Ele explica que “no cenário atual, a Opec+ [o grupo dos principais produtores de petróleo do mundo e seus aliados] detém capacidade ociosa significativa para cobrir a demanda”.
Já a Rússia idealizou todo um sistema para evitar as sanções em vigor, o que poderá ser útil para ajudar seus parceiros comerciais a evitar a ameaça de tarifas secundárias do presidente Trump.
Um exemplo é a chamada “frota-sombra”, que consiste de centenas de petroleiros com propriedade incerta. Ela poderá ser utilizada para ocultar a origem do petróleo e gás russo exportado.
“A manutenção das sanções é uma tarefa tão grande quanto sua criação”, afirma o especialista em sanções americanas Richard Nephew, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. “Isso porque quem está sofrendo as sanções toma medidas para escapar delas.”
‘[BBC] Atingir a Índia é uma ação injustificada e irracional’, segundo o Ministério das Relações Exteriores do país
Ashish Vaishnav/SOPA Images/LightRocket via Getty Images
Desde a invasão da Ucrânia, em 2022, a Índia é o segundo maior importador de petróleo russo, segundo o Centro de Pesquisa sobre Energia e Ar Limpo, com sede na Finlândia.
“Eles estão alimentando a máquina de guerra”, declarou Trump à rede de TV americana CNBC na terça-feira (5). “E, se eles fizerem isso, não vou ficar feliz.”
Um dia depois, o presidente americano assinou uma ordem executiva que impõe à Índia uma tarifa adicional de 25% pelas suas compras de petróleo russo.
A medida eleva a tarifa de importação total sobre produtos indianos destinados aos Estados Unidos para 50% — a mesma alíquota imposta ao Brasil e uma das mais altas entre as importações americanas.
Se as sanções secundárias entrarem em vigor em 21 dias, como especifica a ordem executiva assinada por Trump, as empresas americanas que comprarem da Índia precisarão pagar 100% de tarifa, ou imposto de importação, quando as mercadorias chegarem aos portos dos Estados Unidos.
A ideia é tornar esses produtos tão caros que as empresas americanas decidirão comprar mais barato de outros países, resultando em perda de receita para a Índia. Com isso, pretende-se dissuadir a Índia de comprar petróleo russo.
E, se a Rússia não conseguir vender seu petróleo para outras nações, que também enfrentarão o mesmo dilema, Moscou terá menos dinheiro para financiar a guerra na Ucrânia.
iPhones indianos mais caros
As tarifas secundárias poderão fazer com que os americanos passem a pagar mais caro pelos seus telefones celulares fabricados na Índia.
A empresa americana Apple está transferindo grande parte da sua produção de iPhones para o país asiático, particularmente a fabricação de telefones destinados a venda nos Estados Unidos.
Se estes produtos ficarem sujeitos às novas tarifas de importação, os preços dos celulares da Apple poderão aumentar significativamente para os consumidores americanos.
Afinal, embora as empresas importadoras de mercadorias paguem as tarifas, elas costumam repassar pelo menos a maior parte dos aumentos de custo para seus clientes.
Os produtos indianos comprados pelos Estados Unidos já enfrentavam tarifa de importação de 25%, como parte das medidas comerciais gerais tomadas pelo presidente Trump.
O governo da Índia acusou os Estados Unidos da prática de “dois pesos, duas medidas”, já que Washington continua a fazer comércio com a Rússia.
A grande maioria desse comércio bilateral é composta de importações de produtos russos pelos Estados Unidos. Elas somaram pouco mais de US$ 3 bilhões (cerca de R$ 16,4 bilhões) no ano passado, embora este número represente apenas 10% dos valores de 2021, antes da guerra na Ucrânia.
O montante representa basicamente as compras americanas de matéria-prima para energia nuclear e fertilizantes. A Rússia é um importante fornecedor global destes dois tipos de produtos.Negociações comerciais com a China prejudicadas
A China é o maior importador de petróleo russo e a eventual decisão do presidente Trump de impor tarifas secundárias a produtos chineses seria ainda mais difícil de se colocar em prática.
As importações americanas da China somam valores cinco vezes maiores em relação à Índia. E muitas dessas compras são de bens de consumo, como brinquedos, roupas e produtos eletrônicos.
A imposição de tarifas secundárias a Pequim também traria o risco de prejudicar uma renegociação muito maior do comércio entre as duas maiores economias do mundo, que Trump vem buscando desde seu primeiro mandato presidencial (2017-2021).
“Este tipo de escalada dificilmente irá impressionar os chineses”, afirma o especialista em comércio Simon Evenett, da Escola de Negócios IMD, na Suíça.
O professor explica que seria “muito difícil” afastar os chineses da Rússia sem um bom motivo, considerando a proximidade desenvolvida nos últimos anos entre os presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin.
Além disso, na última vez em que Trump tentou impor tarifas de importação de três dígitos à China, a estratégia não funcionou, pois quase eliminou todo o comércio entre os dois países.
Outra medida como aquela poderá aumentar as pressões inflacionárias internas nos Estados Unidos, que Trump prometeu combater há tempos. E também poderia custar muitos empregos nas indústrias chinesas, em um momento em que sua economia já enfrenta dificuldades em diversos setores.
Mais prejuízos para o comércio com a Europa
Uma análise do Centro de Pesquisa sobre Energia e Ar Limpo demonstra que a União Europeia e a Turquia ainda estão entre os maiores compradores de combustíveis russos.
Até 2022, a UE era o principal destino de exportação da Rússia. Mas suas importações foram drasticamente reduzidas, desde a invasão da Ucrânia.
Bruxelas concordou recentemente em comprar muito mais combustíveis dos Estados Unidos, mas algumas importações da Rússia permanecem até hoje.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reconheceu o problema em junho. Ela afirmou que “a Rússia vem tentando repetidamente nos chantagear, transformando seu fornecimento de energia em arma” e apresentou planos para pôr fim às importações até o final de 2027.
O relacionamento comercial entre os Estados Unidos e a União Europeia é o maior do mundo. Os dois parceiros acabaram de negociar novos termos comerciais, que resultaram em uma tarifa de importação de 15% a ser aplicada à maior parte das exportações da UE para os Estados Unidos.
Muitos na União Europeia criticaram o acordo, defendendo que as tarifas prejudicariam os exportadores europeus. Agora, eles também receiam que as sanções secundárias à UE possam causar ainda mais danos.
Acrescentar 100% de tarifa por comprar combustíveis da Rússia poderá reduzir significativamente a quantidade de mercadorias vendida pela UE para os Estados Unidos.
Mas as mercadorias mais exportadas pela Europa incluem máquinas e produtos farmacêuticos, que dificilmente podem ser comprados de outros lugares do mundo. Por isso, os americanos têm poucas opções, a não ser pagar mais caro por esses produtos.
Possível recessão na Rússia
A economia russa se mostrou notavelmente resiliente desde o início da invasão da Ucrânia, com crescimento de 4,3% no ano passado.
Mas o ministro da Economia da Rússia, Maxim Reshetnikov, alertou recentemente que seu país está “à beira” da recessão, após um período de “superaquecimento”. E o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê crescimento de apenas 0,9% em 2025.
Se as sanções secundárias forem bem sucedidas e reduzirem a demanda de exportações, elas colocarão a Rússia mais perto da recessão.
É difícil saber qual o impacto exato da guerra sobre a economia russa. Moscou impediu a publicação de uma grande quantidade de dados econômicos desde a invasão da Ucrânia, incluindo a produção de petróleo e gás.
O governo russo cobre cerca de um terço dos seus gastos com o dinheiro da venda de combustíveis, mas suas exportações estão caindo.
Paralelamente, as despesas atuais de Putin com a defesa são as maiores desde a Guerra Fria (1947-1991). Acredita-se que estes gastos tenham atingido 6,3% do PIB da Rússia.
Já a Ucrânia vem gastando com a guerra impressionantes 26% da sua economia, que é muito menor do que a russa. Esta diferença explica por que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, pede repetidamente o auxílio dos seus aliados internacionais.
O propósito das tarifas de importação de Trump é ajudar Zelensky, reduzindo o fluxo de dinheiro para a Rússia. Ele espera, com isso, pôr fim às mortes, ao sofrimento e à destruição na Ucrânia.